quinta-feira, 14 de julho de 2016

Memórias do coronel Francisco de Paula Azeredo - I


Memórias do coronel Francisco de Paula Azeredo: Parte I

Entre a partida do Rio da Janeiro para o Sul a 12 de Junho de 1816 até a 15 de Julho, a primeira noite que o 2.º Regimento de Infantaria passou já fora de S. Catarina e na longa marcha de 700 km.

[...]
A expedição demorou-se quatro mezes no Rio de Janeiro antes de seguir ao seu destino. Não está no animo dos portuguezes a grande actividade. N'aquelle clima ardente ainda esta era menor e mais demorada a sua acção.

Durante o tempo que esteve no Rio de Janeiro foi o Coronel Azeredo muito bem recebido pelo novo soberano, e pelo Principe real, que depois foi Imperador e Rei com os titulos de D. Pedro 1.° imperador e D. Pedro IV rei de Portugal.

Além das medalhas do commando nas batalhas da guerra peninsular em que o Coronel Azeredo commandara, com que El-Rei o havia agraciado, foi por decreto de 17 de Dezembro de 181o, muito antes de elle chegar ao Rio de Janeiro, condecorado com o gráo de cavalleiro da ordem da Torre e Espada.

El-Rei confiou-lhe o commando do segundo regimento d'infanteria d'esta expedição, que exerceu immediatamente. Durante o tempo que esteve no Rio procurou adestrar o regimento no exercicio e manobra, e como El-Rei ordenasse differentes paradas, a que elle e o Principe com o Infante D. Miguel iam assistir, tambem n'estes actos d'ostentação se foi passando o tempo. 

[junho 1816]
Finalmente em junho de 1816 deixou o magnifico e frequentado porto de S. Sebastião do Rio de Janeiro a expedição destinada á campanha do Rio da Prata, seguindo para a Ilha de Santa Catharina, onde aportaram ao cabo de dez dias de viagem favoravel. N'esta derrota passaram rapidamente pelas alturas de S. Paulo e de Santos, villa muito importante, de commercio consideravel em assucar, couros, agoardente e café, e vieram lançar ferro á cidade de Nossa Senhora do Desterro, na costa occidental da Ilha de Santa Catharina. Esta cidade, que hoje tem largas proporções, já então era de valia, possuindo varias fabricas e fazendo extenso commercio.

[15 de Julho de 1816]
Ahi esteve a expedição aquartelada alguns dias, e foi só a 15 de julho que ás sete horas da manhã sahiu para o continente o 2.° batalhão do 2.° Regimento de voluntarios reaes d'El-Rei, a cuja frente se collocou o Coronel Azeredo. O embarque fez-se em lanchas baleeiras, assim chamadas por se empregarem na pesca das balêas, que se faz em larga escala n'estas paragens. Com vento fresco apenas levou sete horas a atravessar o estreito canal que separa a Ilha de Santa Catharina da província em terra firme do mesmo nome.

O desembarque fez-se no pontal da Pinheira, praia arenosa, sita no fim da extensa bahia do mesmo nome, proxima á barra do Sul a seis legoas de distancia da cidade de Nossa Senhora do Desterro. São sempre as praias que bordam o mar por tal forma varridas pelos ventos, que difficil é poder acampar n'ellas sem grande incommodo: nos paizes porém da America do Sul, os ventos são por modo tão impetuosos, que taes acampamentos se tornam cheios de riscos.
Além d'estas circumstancias geraes, o regimento não levava barracas nem abrigo de qualidade alguma. O governo portuguez é sempre o mesmo em todas as épocas: occupa-se especialmente do luxo e sumptuosidade no adorno das secretarias d'estado e nos gabinetes dos ministros: e de resto abandono completo: quando além d'isto se trata da força armada, esse abandono e desleixo sobe de ponto. Bem longe de se procurar mitigar-lhe o rigor dos seus penosos deveres, mais se lhe aggravam. Manda-se que marche e lá se avenha como podér: estamos na primitiva.
Xenophonte retirando da invasão na Persia, e Annibal atravessando os Alpes para conquistar a Italia e sopear a altivez dos romanos, não conduziriam de certo os seus soldados mais expostos. Conhecemos os inconvenientes da equipagem de castrametação, mas ha circumstancias em que ella é indispensavel. Tal era a presente, em que a divisão havia de atravessar durante mezes inteiros um paiz deserto e açoitado pelos mais borrascosos temporaes.

Forçoso foi comtudo acampar em tão inhospita praia, e escolhido o logar mais abrigado dos ventos, bivacou o batalhão, occupando o Coronel e o seu ajudante o unico casebre - que alli havia, onde vivia uma pobre velha, que tinha tres netos, que se sustentavam de farinha de pau. Os soldados procuraram lenha nas proximidades do acampamento, e vieram fazer o rancho, e aquecer-se, porque a estação era, como se sabe, o rigor do inverno, por ser o mez de julho, que n'aquella latitude meridional é muito aspero.

Pelas 10 horas da noite sobreveio uma espantosa trovoada com relampagos horriveis e copiosa chuva.

Posto que esta paragem já esteja ao sul do tropico de Capricornio, ainda assim está sujeita como todos os paizes do imperio brazileiro, a tufões, trovoadas e tempestades continuadas. Estes phenomenos meteorologicos sempre respeitaveis em toda a parte, tomam um aspecto pavoroso n'aquellas regiões. 

[CONTINUA]


* * *

CONHEÇA A BIOGRAFIA DESTE OFICIAL AQUI

Retirado de: AGUILAR, Francisco D’Azeredo Teixeira D’, Apontamentos Biographicos de Francisco de Paula D’Azeredo, Conde de Samodães, Porto, Tip. Manoel José Pereira, 1866. pp. 82-sg

sábado, 2 de julho de 2016

Memórias do tenente coronel António José Claudino de Oliveira Pimentel - I


Memórias do tenente coronel António José Claudino de Oliveira Pimentel: seleção (Parte I)
Entre a partida da DVR de Lisboa, a 20 de Janeiro de 1816 até à chegada ao Rio de Janeiro, em finais e Março.

Janeiro de 1816 – O dia 20 de janeiro de 1816 foi o dia do embarque da infantaria pertencente á divisão dos voluntarios reaes do principe, tendo já embarcado para o Rio de Janeiro, em setembro de 1815, toda a cavallaria e artilheria da mesma divisão.

Pelas oito horas da manhã d’aquelle dia pozeram-se em marcha as duas brigadas de caçadores para embarcarem no arsenal da marinha. Durante a marcha, desde Belem a Lisboa, notava-se extraordinaria concorrencia de gente de todas as classes, em cujos rostos se manifestava profunda mágua, por verem partir de Portugal uma tão brilhante porção de tropa, que se lhe afigurava não regressaria á patria. Tal é o descostume em que estão os portuguezes de ver partir dos nossos portos expedições marítimas de maior vulto!

As brigadas embarcaram na melhor ordem, assistindo a esta operação o general Lecor, commandante da divisão, e o incansavel chefe de divisão Rodrigo José Ferreira Lobo, que havia dado para este effeito as mais acertadas providencias.
Ás duas horas da tarde estava ultimado o embarque a bordo dos seguintes navios: nau Vasco da Gama e charrua S. João Magnanimo; e nos vasos mercantes: Caridade; Flor do Tejo; S. José, Phenix; Asia Grande; S. Thiago Maior; Commerciante; Russia (sueco); L’Orient (francez) e um bergantim inglez.

Os governadores do reino haviam-se esmerado em dar as mais generosas providencias para que durante a viagem nada faltasse aos officiaes da divisão, e para que os soldados fossem tratados o melhor possivel, não poupando para o conseguir nem desvelos nem despezas.

Estivemos fundeados no Tejo desde 20 de janeiro até 15 de fevereiro, não ocorrendo durante este tempo cousa alguma notavel, senão os ventos contrarios que nos não deixavam levantar ferro.

Finalmente, amanheceu esplendido o dia 15 de fevereiro. Soprava um vento de nordeste que convidava os navegantes a desaferrar do porto de Lisboa. Era dever o partir. Ás sete horas da manhã fez a nau o sinal de suspender. poz-se então todo o comboio em movimento, e do meio dia para a uma hora da tarde todos os navios tinham saido a barra, escondendo-se ás nossas vistas a capital do reino, sem que podessemos agourar quando, ou se a tornariamos a ver.
Ao sair a barra a nau Vasco da Gama abalroou com um pequeno bergantim inglez que bordejava para entrar no Tejo, e que é muito natural que ficasse maltratado, porque a nau pela sua parte teve o beque partido.

No dia 21 avistámos a ponta de oeste da ilha da Madeira e separou-se então de nós o bergantim Balão, que havia acompanhado o comboio até aquela altura para informar os governadores do reino do que até àquele ponto houvesse occorrido. 

Continuámos com a maior felicidade a navegação tão bem encetada; pois não houve durante toda ella um só temporal no mar, nem a mais leve doença a bordo, nem a menor falta; sendo a tropa sustentada, não só com abundância de mantimentos, mas até com profusão de refrescos, havendo à disposição do corpos tudo quanto era necessário para conservar a saúde, asseio e bom estado dos soldados. E na verdade tropa alguma foi jamais bem vestida, equipada e tratada do que a divisão dos voluntarios reaes do principe, sendo tudo isto devido ao desvelos e assiduos cuidados de D. Miguel Pereira Forjaz, secretario d’estado da guerra e marinha.

No fim de quarenta e quatro dias da mais feliz e tranquilla viagem avistámos no dia 29 de março a ponta de Cabo Frio, navegando sempre com vento favorável e fresco. Este porém acalmou de tarde, o que no obrigou a dar fundo à vista da barra do Rio de Janeiro.
Pouco tempo depois de fundearmos, passou um escaler do Rio de Janeiro, dando a notícias do fallecimento de sua majestade a rainha D. Maria I, de saudosa memória. Soubemos também então que o marechal Beresford ainda se achava no Rio de Janeiro, e esta notícia não foi de certo agradavel a muitos dos que íamos...” 

[...] El-rei mostrava no semblante extrema alegria ao ver aqueles seus fieis vassalos que por tantas vezes haviam arriscado as vidas, em defesa dos seus direitos e da nacionalidade portuguesa, nos campos de batalha contra o grande conquistador da Europa, e que agora deixavam outra vez a pátria, famílias, fortuna e amigos para correrem, voluntários, a novo combates em que se achava empenhada a honra nacional.

Retirado de: PIMENTEL, Júlio Machado de Oliveira, Memorial Biographico de um militar ilustre, O General Claudino Pimentel, Lisboa, Imprensa Nacional, 1884, pp.75-77

LEIA A BIOGRAFIA DESTE OFICIAL AQUI


CONTINUAÇÃO NA PARTE II