sexta-feira, 10 de março de 2017

Apontamentos sobre as táticas empregues pelas tropas da Capitania do Rio Grande: José de Abreu em S. Borja e Arapeí




As duas ações comandadas pelo tenente coronel José de Abreu, em S. Borja (3.10.1816) e Arapeí (3.1.1817), dão interessantes pistas para a tática usada pelas forças da Capitania do Rio Grande, no que tange ao uso combinado das 3 armas, infantaria, cavalaria e artilharia. Ambas as ações tiveram sensivelmente o mesmo número de militares portugueses em ação, 670 em S. Borja e cerca de 600 em Arapeí, o que nos permite aferir o uso tático de forças desta dimensão, destinadas fundamentalmente a ações de vanguarda.

A vanguarda da Divisão de Voluntários Reais, a atuar do outro lado dos teatros de operações, junto à costa atlântica, tinha cerca de 850 efetivos, ainda que com uma muito maior percentagem de infantaria.

Caracterização das tropas sob o comando de Abreu

Ambas as colunas de Abreu, em outubro e em janeiro, tinham a mesma distribuição entre tropas da 1.ª (profissionais) e de 2.ª linha (milícias). 

No primeiro grupo, das tropas permanentes, encontramos o Regimento de Dragões do Rio Grande (ou Rio Pardo, com também eram conhecidos) e a Legião de Voluntário Reais de S. Paulo, que era uma força de tropas ligeiras, que tinha cavalaria, infantaria e artilharia. Esta Legião havia sido criada em 1775 e desde quase o seu início que atuou sempre na província do Rio Grande, ficando lá aquartelado.

Na capitania do Rio Grande, em 1816, havia 3 regimentos de cavalaria de milícias, ou tropas não permanentes, mobilizadas apenas em caso de conflito: Rio Pardo, Porto Alegre e Rio Grande. 



Adicionalmente, havia os esquadrões de Milícias a Cavalo de Missões (composto por soldados de etnia guarani, que combatiam com lanças) e os esquadrões de cavalaria miliciana do distrito de Entre Rios [Ibicúi e Quaraí]. Ambos se tornam regimentos posteriormente à campanha. José de Abreu é titularmente o comandante dos esquadrões de Entre Rios.

Algumas destas unidades, apesar de titularmente milícias, no que indica que seriam apenas mobilizadas em caso de guerra, eram de facto as unidades de linha da fronteira mais remota, a oeste. A questão era que a zona de fronteira era uma zona militarizada. Estes militares, principalmente os oficiais, eram ao mesmo tempo colonos e a autoridade militar portuguesa, tão longe de Porto Alegre e até da vila do Rio Pardo.

Ainda assim, ambas as colunas Abreu são constituídas por cerca de 80% de cavalaria, mais ao menos distribuída entre cavalaria de 1.ª e 2.ª linha. A infantaria e artilharia representavam cerca de 20% da força total.




A Coluna

Em coluna, José de Abreu usa, nas duas ações, a mesma ordem: à cabeça, um esquadrão de Lanceiros Guaranis (Milícias a Cavalo de Missões), seguido de um esquadrão do Regimento de Dragões do Rio Grande e um esquadrão de Milícias a Cavalo de Entre Rios. 

Um quarto esquadrão, das Milícias a Cavalo do Rio Pardo, foi usado em S. Borja, mas não em Arapeí. Tendo em vista as duas ações, considero este esquadão excedentário para uma análise da formação típica.

Em seguida, o chamado centro, com a infantaria da Legião de S. Paulo (Legião de Voluntários Reais, na designação oficial), em duas subunidades, com a artilharia entre elas (2 peças de calibre 3 em S. Borja e Arapeí).

Na segunda parte da coluna, ou a esquerda, começando logo a seguir à segunda subunidade de infantaria, Abreu usa dois esquadrões das Milícias a Cavalo de Entre Rios nas duas ações.

Fecha a coluna na retaguarda com unidades diferentes em ambas as ações, dois esquadrões de cavaria: um da Legião de São Paulo e um das milícias do Rio Pardo, na batalha de S. Borja, e um esquadrão de milícias de Porto Alegre, em Arapeí, 3 meses depois.

Como flanqueadores da coluna, Abreu usa sempre dois esquadrões das milícias de Entre Rios, do seu comando.

Coluna (3-13) – 670 homens
S. Borja, 3.10.16

Lanceiros Guaranis [ala direita]
1 esq, RegDragRG [ala esquerda]
Esq Entre Rios [ala esquerda]

Esq RM Rio Pardo [perseguição a sudoeste]

Inf LSP [centro/bosque]
Art LSP + 2 peças c.3 [centro/bosque]
Inf LSP [centro/bosque]

Esq Entre Rios
Esq Entre Rios [ala direita]
Cav LSP [ala direita-bosque]
Esq RM Rio Pardo [perseguição a sudoeste]

Flanqueadores:
Esq Entre Rios [ala direita]
Esq Entre Rios [ala esquerda]
Coluna (1-9) – 500/600 homens
Arapeí, 3.1.17

Lanceiros Guaranis (centro)
RegDragRG (ambas as alas, destacamentos)
Entre Rios (centro-direita)

Inf LSP (centro-direita)
Art LSP + 2 peças c.3 (centro)
Inf LSP (centro-esquerda)

Esq Entre Rios (centro-esquerda)
Esq Entre Rios (centro-esquerda)
RMil Porto Alegre (centro)

RegDragRG (ambas as alas, destacamentos)

Flanqueadores (10 e 11):
Esq Entre Rios [ala direita]
Esq Entre Rios [ala esquerda]





A Linha

Tanto na batalha de S. Borja como na de Arapeí, a Coluna Abreu chega em coluna e rapidamente se coloca em linha, engajando o inimigo de forma rápida e decisiva, com rápido destacamento de unidades específicas com objetivos concretos. Em S. Borja, Abreu destaca desde logo um esquadrão a cortar a ligação das forças federais que se lhes opunham e a que já se encontravam diante da vila de S. Borja, então sitiada, muito provavelmente em preparação para uma 3.ª tentativa de assalto.

Não há propriamente a paciente transformação da coluna em linha como em divisões maiores e  com mais infantaria, mas um uso mais fluído e dinâmico das forças predominantemente de cavalaria, muito mais móveis e ágeis, principalmente nas pampas, muito propícias à manobra da arma montada.

No entanto, ao oferecer combate, Abreu forma linha antes de decidir nas ações o já referido uso rápido e decisivo de manobra, até pela forte preocupação em colocar a artilharia, de forma segura, numa posição de fogo sobre o inimigo.

Abreu tem as suas unidades em linha intercaladas entre tropas de 1.ª e 2.ª linha, conforme era o uso na época das guerras napoleónicas, normalmente sendo a antiguidade determinada pela antiguidade do comandante. 

Normalmente, em uso no Exército Português, a unidade mais à direita da linha era a comandandada pelo oficial mais antigo (daí o uso dos números paras os regimentos, em 1806, que determinaria a posição do corpo na linha, em vez da antiguidade do comandante), sendo a ala esquerda para o 2.º mais antigo, o 3.º mais antigo à esquerda do 1.º, o 4.ª à direita do 2.º e por aí fora, com as unidades de menos antiguidade ao centro. Esta colocação tinha o fim de equilibrar a linha em termos de experiência e força.

Ora, com Abreu, no âmbito das táticas em uso pelas tropas da Capitania do Rio Grande, com bastante mais cavalaria que o normal, não são as tropas mais antigas que ocupam as alas (ou a cabeça e a cauda de uma coluna, onde normalmente se esperariam essas unidades), mas, na verdade, as mais recentes (Missões e Entre Rios), assim como decididamente as mais adaptadas ao ambiente, tanto homem como cavalo. Logo a seguir, na 3.ª e 4.ª posições (as segundas unidades à esquerda e à direita), estão unidades de linha, que acabam por normalmente ser as verdadeiras alas, pelo uso das outras em tarefas de flanco. Depois delas esquadrões dos 3 regimentos de milícias, verdadeiras tropas não permanentes, mobilizadas apenas em caso de conflito, apesar de manter algum treino ocasional, conforme já referimos. Ao centro, a infantaria e a artilharia, com o eixo central de tudo sobre as peças, fundamentais à duas vitórias, especialmente em Arapeí.

Por ora, fica aqui feita uma primeira análise às táticas das forças da capitania do Rio Grande, que tão bem serviram as armas portuguesas na brilhante campanha de 1816. É uma forma de olhar mais especificamente para o uso de colunas de movimento, com forças flanqueadoras, usado frequentemente por todos os comandantes do Rio Grande e o seu uso brilhante por parte de José de Abreu. Este tenente coronel de 45 anos é um exemplo do melhor a que um comandante de cavalaria na fronteira pode oferecer. Abreu recebeu o epíteto de Anjo de Vitória, e verificando os seus feitos em S. Borja e em Arapeí, nunca um epíteto foi tão bem atribuído.

Antiguidades dos comandantes de corpos & Posição na linha

A posição na linha das unidades era determinada pela antiguidade dos seus respetivos comandantes, à ausência de um sistema de numeração, em uso na metrópole desde 1806.
No geral, as linhas são preenchidas de acordo com a antiguidade.

1. Francisco das Chagas Santos, Comte. Povo de Missões - Brigadeiro Graduado (20.1.1813) 
2. Tomás da Costa Correia Rebelo Correia (E Silva), Dragões do Rio Grande - Brigadeiro Graduado (13.5.1813)
2. João de Deus Menna Barreto, Milícias do Rio Pardo - Brigadeiro Graduado (13.5.1813)
4. Joaquim de Oliveira Alvares, Legião de Voluntários Reais de S. Paulo - Brigadeiro Graduado (1814) 

5. Bento Correia da Câmara, Milícias de Porto Alegre - Coronel
6. José de Abreu, Esquadrões de Milícias de Entre Rios - Tenente Coronel.

De acordo com as práticas, o regimento mais antigo, os Dragões do Rio Grande, ocupava a posição mais à direita da linha, reservada à unidade mais veterana e respeitada. Isto acontece em S. Borja e Arapeí. A 2.ª unidade mais antiga, as Milícias de Cavalaria do Rio Pardo, ocupam a posição mais à esquerda da linha. A 3.ª unidade, no caso a cavalaria da Legião de Voluntários reais de S. Paulo, ocupa a posição ao lado dos Dragões, à direita e por aí adiante, sendo este formato de colocação em linha pela antiguidade, uma forma de garantir uma linha equilibrada em termos de qualidade.

* * *

Ordens de Batalha (linha/coluna)

A) OdB (21/9 a 4/10 – Alívio de S. Borja)

TenCor José de Abreu (EntreRios), 670 homens (soma)

Cap Corte Real

Cavalaria (530):
- 1 esq, Cav, LSP: Ten José de Castro do Canto e Mello
- 1 esq, Reg Dragões RG, Cap José de Paula Prestes
- 1 esq, Reg Mil Rio Pardo, (Ten Olivério José Ortiz)
- 1 esq, Reg. Entre Rios: 1 esq, Tenente Romão da Sousa: 1 esq, (Tenente Floriano dos Santos)
- 1 esq, Mil Guarani (lanceiros)

Inf, LSP (117): Capitães Joaquim da Silveira Leite & José Joaquim Machado de Oliveira
Art, LSP: 2.º Ten José Joaquim da Luz (23), 2 peças c.3



B) Linha de batalha (S. Borja, 3/10)

Coluna (3-13):
Lanceiros Guaranis [ala direita]
1 esq, RegDragRG [ala esquerda] Cap José de Paula Prestes
Esq Entre Rios [ala esquerda]
Esq RM Rio Pardo [perseguição a sudoeste]
Inf LSP [centro/bosque] Cap Joaquim da Silveira Leite (ou o outro)
Art LSP + 2 peças c.3 [centro/bosque] 2.º Ten José Joaquim da Luz
Inf LSP [centro/bosque] Cap José Joaquim Machado de Oliveira (ou o outro)
Esq Entre Rios
Esq Entre Rios [ala direita]
Cav LSP [ala direita-bosque] Cap José de Castro do Canto e Mello
Esq RM Rio Pardo [perseguição a sudoeste]

Flanqueadores:
Esq Entre Rios [ala direita]
Esq Entre Rios [ala esquerda]



C) Linha de Batalha (Arapei, 3/1)

Coluna (1-9):
Lanceiros Guaranis  (centro)
RegDragRG (ambas as alas, destacamentos)
Entre Rios (centro-direita)
Inf LSP (centro-direita)
Art LSP + 2 peças c.3 (centro)
Inf LSP (centro-esquerda)
Esq Entre Rios (centro-esquerda)
Esq Entre Rios (centro-esquerda)
RMil Porto Alegre (centro)

Flanqueadores (10 e 11):
Esq Entre Rios [ala direita]
Esq Entre Rios [ala esquerda]

RegDragRG

dados: Inf LSP (100 homens)


D) OdB CATALÁN

Marquês do Alegrete 12 [14] – Piquete Cav, guarda do General em Chefe

TenCor Joaquim Mariano Galvão de Moura Lacerda, LTL
Artilharia: TenCor Inácio José Vicente de Fonseca

[ALA DIREITA]
1 – Reg Dragões Rio Grande  (Cap. Sebastião Barreto Pinto)
2 – Cav, Legião de S. Paulo

7 [3] – Bat. da Esquerda, Legião de São Paulo, 3 de 6 (Cap. José Pinto de Carvalho)

3 [4] – 2.º Bat Inf, Legião de S. Paulo
6 [5] – Bataria do Centro, Legião de São Paulo, 4 obuses (SargMor. Francisco Castro Matutino Pitta + TenCor Vicente da Fonseca)
4 [6] – 1.º Bat Inf, Legião de S. Paulo

5 [7] – Bataria da Direita, Legião de São Paulo, 2 peças de calibre 3  (Ten. António Soares)

[ALA ESQUERDA (primeiro contacto)]
8 – 2 Esq Cav, Regimento de Milícias de Porto Alegre  (Cor. Bento Correia da Câmara)
9 – Regimento de Cavalaria de Milícias do Rio Pardo  (Brig. João de Deus Mena Barreto)

10 [13] – 1 Esq Cav, Guarda avançada da Cav, Legião de S. Paulo  (Cap José da Silva Brandão) – vai reforçar o general
11 [10] – Cav, Esquadrões de Entre Rios  (TenCor José de Abreu) – vai reforçar a direita da linha

RESERVA (& Cavalhada, etc.)
13 – Inf, Legião de S. Paulo (reserva)
+ as duas Peças de 3, Legião de São Paulo (Ten. José Joaquim da Luz)

* * * 

Fontes
- Gazeta do Rio de Janeiro
- Comisión Nacional Archivo Artigas, Archivo Artigas, Montevideo, Monteverde, t. 31: pp. 364-367
- Diogo Arouche de Moraes Lara, “Memória da Campanha de 1816”, in: Revista trimensal de Historia e Geographia, ou, Jornal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, n.º 27, Outubro de 1845

2 comentários:

  1. Muito bom o artigo. Por favor, indique as fontes. Cordialmente, Coronel Caminha.

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    1. Muito obrigado. Eu fiz esta análise com base nas fontes que usei para os artigos das batalhas de S. Borja e Arapey, por isso é fundamentalmente o Archivo Artigas e a Memória de 1816, do Diogo Arouche de Moraes Lara. Vou colocar no artigo, assim como a Gazeta do Rio de Janeiro, que me ajudou a encontrar as datas de antiguidade dos brigadeiros do general Curado.
      Este blogue vai funcionando no cruzamento de informações entre artigos, e inevitavelmente acaba por empilhar novas informações, e estes artigos, que derivam de artigos anteriores, sofrem por defeito. Obrigado pela chamada de atenção, pois as bibliografias são de facto essenciais. Muito obrigado pela visita.

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