terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A visita da fragata Congress a Montevideu (22-23 de Fevereiro de 1818)


No dia 20 de Fevereiro de 1818, a fragata norte-americana "Congress" chegou ao largo de Montevideu, vinda do Rio de Janeiro. Nela viajava uma missão diplomática constituída por Caesar Augustus Rodney (1772-1824), John Graham (1774-1820) e Theodorick Bland (1776-1846), um conjunto de políticos e diplomatas americanos nomeados pelo então presidente James Monroe para uma missão especial à América do sul, que veio a receber o nome de Comissão Sul-Americana de 1817-1818. Tendo visitado o Rio de Janeiro, entre 29 de Janeiro e 9 de Fevereiro, onde assistiram às celebrações da aclamação do rei D. João VI, largaram depois com destino a Montevideu.


Henry Brackenridge
As atividades desta comissão são importantes, mas para os nossos fins imediatos, interessa-nos mais a figura de Henry Marie Brackenridge (1786-1871), secretário dessa comissão, que legou para a posteridade as suas observações pessoais da viagem que veio a publicar em 1820, logo a seguir ao seu retorno aos EUA em 1819.

A fragata chega a Montevideu a 20 de Fevereiro de 1818, pouco mais de um ano após a conquista de Montevidéu pelas forças portuguesas, e os seus membros partiram para Buenos Aires na manhã do dia 25. O pouco tempo em que estiveram na cidade permitiram que tenhamos hoje acesso, pelas palavras de Brackenridge, a elementos esclarecedores sobre o estado presente da cidade, assim como estado maior português. 

No dia 22, visitou o quartel-general português. 
No dia 23, participou num jantar com vários oficiais do estado maior português. 

Da duas relativamente breves ocasiões, Henry Brackenridge oferece-nos um testemunho interessantíssimo do Montevideu ocupado, assim como do próprio capitão general Carlos Frederico Lecor. 

Desde já aqui deixo os excertos que poderão ter mais relevância, traduzido da sua língua original por mim, mas deixo também ao fundo as ligações para o texto completo da edição de 1820, em inglês, e para uma reedição de 1924, escrita em espanhol:

[Montevideu 22 de Fevereiro de 1818]
“Dessa forma procedemos para os alojamentos do general português, que ocupam uma das maiores e melhores casas na cidade. Entrámos num pátio ou veranda espaçoso, com galerias a toda a volta, por uma guarda de tropas negras, com aspeto brilhante e gorduroso, vestidos com uniformes vistosos. Nestes países os negros são preferidos para guardas e sentinelas, perto dos oficiais de distinção.
Depois de passarmos por vários salas, cruzando-nos com sentinelas e oficiais de serviço, que exibiam perante nós a pompa e circunstância do estabelecimento de um grande chefe, entrámos numa sala onde fomos polidamente convidados a nos sentar.
Mal tivémos tempo de nos refazer das reflexões produzidas por isto, para nós, uma cena pouco usual, quando o general ele próprio fez a sua aparição, com a qual ficámos extremamente impressionados. Ele é uma figura notavelmente elegante, alto e erecto, com uma dignidade nativa sem afetação de maneiras. Tem para cima de 55 anos, a sua tez é demasiado clara para um português; de facto, soubemos depois que ele é de descendência flamenga. A personalidade deste oficial não contradiz a impressão favorável que a sua aparência é calculada a fazer. A sua reputação é a de um soldado bravo e honrado, e de um homem polido e altruísta. Pelo que todos dizem, no entanto, ele não é excluvivamente devedor destas suas boas qualidades, pela sua elevação de um baixa estação de vida. O Sr. Bland apresentou-se através do White, que atuou como intérprete, e, após alguma conversação, no qual apresentou os motivos da visita, aceitou um convite geral para jantar no dia seguinte, o general ao mesmo tempo da forma mais prestativa prometia os seus serviços.” (p. 45-46.)

“Há algo extremamente doloroso na contemplação de cenas de decadência rápida e recente. Os sofredores no caos e na desolação são trazidos a nós, e não podemos senão simpatizar com os seus infortúnios. Ruínas antigas estão associados com seres, que no devido curso da natureza e do tempo, há muito tempo teriam desaparecido de qualquer forma, mas nós inevitavelmente partilhamos as misérias dos nossos contemporâneos, onde estamos cercados pelos seus tristes memoriais. A cada passo eu encontrava algo que me despertava estas reflexões. Vestígios do mais rápido declínio desta cidade há tão pouco tempo florescente e populosa. As casas, na sua maioria, estavam a cair ou desocupadas, ruas inteiras estavam desabitadas com a exceção das casernas da soldadesca. Nas ruas mais frequentadas, poucos eram vistos senão soldados […]. Parecia haver poucos ou mesmo nenhuns negócios a decorrer, mesmo nas pulperias e lojas. A cidade, de facto, parecia ter recebido a visita de uma praga.” (p. 46)

[Montevideu 23 de Fevereiro de 1818]

“Por volta do meio dia, recebemos uma visita do general Lecor e entourage. Os seus oficiais falavam em geral bom inglês, provavelmente por terem servido com eles contra os franceses. Esta era entendida como uma visita de cerimónia. Às três horas, procedemos aos seus aposentos, de acordo com o convite. O comodoro [Arthur] Sinclair tinha inicialmente recusado, mas posteriormente, após um convite premente enviado pelo general, sentiu-se impelido a ir. […] Encontrámos um grande número de pessoas reunidas, todos eles oficiais portugueses de terra e mar, exceptuando um cavalheiro num fato de cidadão, que, fomos informados, era um agente de Buenos Aires, num qualquer negócio especial; ele parecia um homem inteligente e aguçado, e o seu fato preto simples formava um singular contraste com os esplêndidos uniformes, e cruzes, e medalhas dos oficiais portugueses. Os divertimentos foram os mais sumptuosos. Era, com efeito, um banquete, composto de tudo à laia de peixe, carne e caça, que possa ser imaginado, sendo seguido por toda a qualidade de frutas que tanto este mercado como o de Buenos Aires podem oferecer. Os nossos ouvidos eram ao mesmo tempo regalados com a mais doce música da banda do General. Muitos destes oficiais, particularmente os ajudantes do General, era notavelmente belos homens; Acontece que me sentei junto a um deles, com quem pude conversar bastante. Ele expressou grande admiração pelas nossas instituições políticas, e caráter nacional, parte das quais eu obviamente tomei como cumprimentos. Ele falou dos patriotas de Buenos Aires como um grupo faccioso, incapaz de estabelecer um governo sóbrio; os seus líderes todos corruptos, e desejosos apenas de adquirir uma pequena dose de auto importância; o povo ignorante, e à mercê de demagogos ambiciosos: ele contrastava o caráter deles com as virtudes e inteligência do povo dos Estados Unidos. Ele falou de Artigas, como um atroz selvagem, e declarou um acontecimento recente de tratamento cruel aos seus prisioneiros; que o seu povo era, como todos os selvagens, totalmente insensível aos sentimentos da humanidade. Ele falou de uma forma pouco elogiosa acerca dos ingleses, e manteve a ideia que algumas vãs tentativas haviam sido recentemente feitas da sua parte, para induzir o Rei de Portugal a retornar a Lisboa.” (p. 52-53)

Henry Marie Brackenridge (1820), Voyage to Buenos Ayres Performed in the years 1817 and 1818 by Order of the American Government, London.

Leia em-linha 
- A versão em inglês, de 1820 [aqui - na Archive.net], 
- & em espanhol, a de 1924 [aqui - na GoogleLivros].


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A missão norte-americana vista pelos Portugueses

Numa carta de 25 de Fevereiro, o capitão general Carlos Frederico Lecor, que havia entretanto sido feito barão da Laguna no início do mês, por ocasião da aclamação do rei D. João VI, informa o secretário de estado dos negócios da guerra, Tomás António Vilanova Portugal, refletindo que apesar dos propósitos expressos desta comissão serem os de “tomar conhecimento do estado político das Províncias Unidas do Rio da Prata, inteirar-se da economia, e estabilidade do seu governo”, na verdade conseguiu apurar que esta missão era “mais aparente que necessária”, pelo que já estaria decidido que não só os Estados Unidos iriam reconhecer as Províncias Unidas (futura Argentina) como também socorrê-las contra a pretensões de Espanha e seus aliados.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

1.º Brigada: João Carlos de Saldanha de Oliveira e Daun


O coronel JOÃO CARLOS DE SALDANHA DA OLIVEIRA E DAUN nasceu no Palácio da Anunciada, em Lisboa, a 17 de novembro de 1790, nono filho do 1.º conde do Rio Maior, João Vicente de Saldanha Oliveira e Sousa Juzarte Figueira, e da D. Maria Amália de Carvalho Daun, filha dos 1.os marqueses de Pombal.

Assentou praça e jurou bandeiras como cadete do Regimento de Infantaria de Lippe, aos 14 anos de idade, em 28 de Setembro de 1805. No ano seguinte, a 24 de Junho de 1806, é promovido a capitão agregado da 10.ª companhia, beneficiando de um decreto desse mesmo ano que permitia a promoção direta a capitão aos filhos de conselheiro de Guerra. Exatamente um ano depois, passa a capitão efetivo no comando da 8.ª companhia, estando a patente assinada de 18 de Agosto. 
Entre 1805 e 1807, frequentou os três anos da Academia Real de Marinha com distinção.

Foi escuso do Real Serviço em 6 de Fevereiro de 1808, por moléstia, em protesto confessado à dominação francesa e para evitar servir na futura Legião Portuguesa, ao serviço de Napoleão. 
Após a restauração, apresentou-se ao serviço em Outubro de 1808, reassumindo o comando da 8.ª companhia e, em 9 de Dezembro de 1809, era promovido a sargento mor (major) do agora Regimento de Infantaria n.º 1. A 5 de Fevereiro de 1811, com 21 anos de idade, é promovido a tenente coronel. Participa com distinção nas batalhas do Buçaco, em 1810, e de Salamanca, ou Arapiles, em 1812. 

A 5 de Fevereiro de 1812 vai para o Regimento de Infantaria n.º 13, onde permanece até ao fim da Guerra Peninsular, tendo participado novamente com distinção nas batalhas de Salamanca, em 1812, e de Vitoria, em 1813, e posteriormente no sítios de San Sabastian e na Batalha de Nive. Em Setembro de 1812, comandou interinamente a 10.ª Brigada Portuguesa, que atuava de forma independente no exército de operações aliado.

Com 25 anos, a 22 de Junho de 1815, passa à Divisão de Voluntários Reais do Príncipe como coronel adido, tornando-se já no Rio de Janeiro comandante do 1.º Regimento de Infantaria da Divisão de Voluntários Reais, após a reorganização da grande unidade.

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Leia também:




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Imagem (ao topo): Retrato de Saldanha, enquanto brigadeiro (década de 1820)

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Armada Real: Rodrigo José Ferreira Lobo



O chefe de divisão RODRIGO JOSÉ FERREIRA LOBO nasce em Lisboa, muito provavelmente em 1768.

Foi para o Brasil, onde assenta praça, em 13 de Maio de 1783, no Regimento de Cavalaria de Minas Gerais. 


Algumas fontes indicam que era um protegido da casa dos Marialvas, nomeadamente de D. Rodrigo José António de Meneses (1750-1807), 1.º conde da Cavaleiros, e filho dos 4.ºs marqueses de Marialva. Além de partilhar os mesmos nomes próprios, o que pode sugerir uma relação de apadrinhamento religioso, a carreira do oficial acompanha proximamente a carreira do conde de Cavaleiros como dirigente colonial no Brasil (capitão general de Minas Gerais, entre 1780 e 1783, e da Bahia, entre 1784 e 1788). Não havendo provas concretas, é de crer que o jovem Rodrigo José tenha ido para o Brasil na companhia do novo governador de Minas Gerais, usufruindo do seu patrocínio na fase inicial da carreira.

Em 1784, passa ao Regimento de Artilharia da Bahia, como soldado, galgando os postos até 2.º tenente. A 30 de Janeiro de 1786, é já 1.º tenente da companhia de Galeão (ou Burlote) do regimento e comanda o bergantim Nossa Senhora da Conceição, em ação contra contrabandistas no litoral. A 6 de Janeiro de 1787, recebe carta patente de capitão de artilharia. 

Passa à Armada real como voluntário em Agosto de 1790, na fragata Minerva. Entre 1790 e 1798, Rodrigo José esteve embarcado nas fragatas S. João Príncipe, Carlota, S. Rafael e Tritão, tendo sido promovido a segundo tenente a 1 de Fevereiro de 1791, a primeiro tenente, a 16 de Novembro de 1793, e finalmente a capitão tenente, 3 anos depois. 

Comandou depois, entre 1798 e 1808, os bergantins Lebre e Voador, as fragatas Andorinha, Princesa do Brasil, S. João Príncipe e Minerva e a Nau Medusa, de 64 peças. Durante este período foi promovido a capitão de fragata no primeiro dia de 1800 e a capitão de mar e guerra a 17 de Dezembro de 1806. Em 1807, responde a um conselho de Guerra pela perda da fragata S. João Príncipe, de que era comandante, tendo sido absolvido.

Comanda a fragata Minerva, na esquadra que leva a Família Real ao Brasil em 1808. A 8 de Março desse mesmo ano, é promovido a chefe de divisão (posto equivalente ao atual comodoro). 

Em 1810, é nomeado comandante da Esquadra do Estreito, na nau Vasco da Gama. É sujeito posteriormente a conselho de guerra, com base nos eventos num encontro com argelinos no dia 4 de Maio de 1810, próximo de Gibraltar, tendo sido declarado culpado num primeiro conselho, com o mesmo resultado num segundo, num processo que durou 4 anos, e que só termina quando a 26 de Janeiro de 1815, o Príncipe Regente D. João o absolve, devido a irregularidades processuais. Em 1815, é o comandante do Arsenal Real de Marinha, não sendo certa a data da sua nomeação.

Em 1815, com cerca de 47 anos, é nomeado o comandante da esquadra que transporta a Divisão de Voluntários Reais do Príncipe ao Rio de Janeiro e a Santa Catarina. A par de Carlos Frederico Lecor e Sebastião Pinto de Araújo Correia, estes na componente terrestre, é um dos oficiais nomeados desde o início nas primeiras ordens do governo do Rio de Janeiro ainda em Dezembro de 1814.  

Comandou, a partir na nau Vasco da Gama, a tomada de Maldonado, a 22 de Novembro de 1816. 


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Leia também:

Bibliografia
- Innocencio Francisco da Silva et al., Diccionario Bibliographico Portuguez, Volumes 7-8, Lisboa: Imprensa Nacional, 1862;
- Joaquim Pedro Celestino Soares, Quadros Navaes: ou, Colleccão dos Folhetins Maritimos do Patriota. Tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1861;
- Eduardo de Castro e Almeida (Org.), Inventários dos Documentos Relativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar de Lisboa, volume 3 (Bahia, 1786-1793), Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1913 - disponível na internet aqui
- Comissão Brasileira dos Centenários de Portugal, Os Portugueses na Marinha de Guerra do Brasil: contribuição comemorativa dos centenários de Portugal (1139-1640), Rio de Janeiro: Estados Unidos do Brasil, 1940 - disponível na internet aqui.


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- Memoria dos acontecimentos mais notaveis, pertencentes aos dois concelhos de guerra feitos ao chefe de divisão, Rodrigo Jozé Ferreira Lobo, pelo encontro dos argelinos no dia 4 de maio de 1810: defeza do chefe e decisão da cauza, Londres: T. C. Hansard, 1815 - ler online.