domingo, 5 de agosto de 2018

India Muerta (Gustavo Barroso, 1930)

 

“... Artigas, na fronteira, de onde dirigia as suas ordens, e onde recebia tais recursos, projetava, além da resistência à divisão do general Lecor, pelas fronteiras de Serro Largo e Santa Teresa, também uma diversão com suas maiores forças ... “(Diogo Arouche – Memoria da campanha de 1816).

NOVEMBRO de 1816. O exercito brasileiro de Lecor invade o Uruguai pelas fronteiras de Santa Teresa e Serro Largo. “Invasão rápida e pujante”. Artigas, ditador da Banda Oriental, pretende tolher-lhe o passo no caminho de Montevidéo.
Vanguardeava o grosso dos invasores o general Sebastião Pinto com pouco mais de mil homens das tres armas e um obús. Eram 722 granadeiros, caçadores e artilheiros da divisão de Voluntários Reais e 106 milicianos gauchos de cavalaria.

* * *

Fructuoso Rivera, à frente de 1700 uruguaios a cavalo e a pé, com uma peça, obedecendo aos designios do ditador, espera a vanguarda brasileira entre o Puerto de la Paloma e o Passo e Coronilla, à margem do arroio India Muerta. 

Ao avista-lo, no dia 14 de pela manhã, Sebastião Pinto desenvolve a sua linha de batalha: granadeiros, caçadores e o obuseiro ao centro; os dois pequenos esquadrões de Manoel Marques de Sousa e João Vieira Tovar nas alas. Os nossos atiradores abrigam-se por trás das touceiras de pita, cujos penachos ondêam ao vento, e começam a hostilizar o inimigo. No alto da coxilha forma a cavalaria de Rivera e carrega como uma tromba. As guerrilhas incorporam-se ao grosso. Os infantes, em quadrado, recebem na ponta das baionetas os orientais. Alvoroço. Gritaria. Tiros. Alguns cavaleiros trazem à garupa voltigeiros armados de pistola e sabre, que pulam dentro do quadrado e logo são esfuracados a arma branca. Rivera em pessoa, agitando o rebenque no ar, comanda seus centauros que revolutêam, coroados de lanças, de laços e boleadeiras ameaçadoras.

A formidavel infantaria resiste ao ariete. Os esquadrões das alas acometem furiosamente os contrarios, para alivia-las.

Recua a cavalaria oriental no preparo de nova carga. Porém abre com esse movimento à frente do quadrado o campo de tiro. Granadeiros e caçadores fuzilam-na. O obús consegue falar e uma granada rebenta no meio dos cavaleiros, desmoralizando-lhes a formatura e causando muitas baixas. Um tiro de mestre! Vagam cavalos à solta pelo pampa, as selas ensanguentadas. De novo as linhas de atiradores se estendeme os homens, emboscados nas piteiras, caçam o inimigo.
A infantaria de Lasalle vem a marche-marche afim de sustentar a cavalaria batida. Jeronimo Pereira de Vasconcelos, irmão do grande Bernardo de Vasconcelos, manda rufar os tambores e leva seus caçadores a baioneta contra ela. Trava-se terrivel corpo a corpo. Os infantes engalfinham-se a arma branca. Distante, o canhão oriental é inutil, porque a confusão dos lutadores não lhe permite atirar. O nosso também está calado.  Os milicianos enovelam-se aos cavalarianos de Rivera. Na luta, Tovar perde um braço, cortado à espada, Marques de Sousa recebe um talho na cabeça. Então, avançam cerrados, solidos, com seus sargentos de chilfarotes e piques em punho, os granadeiros de Moura Lacerda.

- A baioneta! Grita-lhes estentoreamente o comandante. E eles varrem, literalmente os infantes uruguaios. É o tempo que a nossa cavalaria reflúe, deixando livre a frente de batalha, onde se reformam os esquadrões de Rivera.
- Granadeiros, fogo!
- Caçadores, fogo!

As duas descargas ceifam a gauchada oriental. Pronuncia-se a derrota, depois de mais de quatro horas de peleja. Os restos da infantaria inimiga, dispersos, são aprisionados. A única peça de Rivera e todas as suas bagagens caem em nosso poder. O vanguardeiro destroçado de Artigas escapa a casco de cavalo e chega ao acampamento do seu chefe à teste unicamente de cem homens, miseraveis remanescentes de mil e setecentos que levara...

* * *

Sebastião Pinto, vitorioso, à margem da India Muerta. A soldadesca arma tendas e ranchos. Ao cair da noite acendem-se as fogueiras. E, à sua luz e calor, os violeiros descantam as saudades das querencias e dos pagos.

De repente, um deles dedilha o pinho e solta estes primeiros versos duma copia uruguais popular sobre o ditador:

Viva o general Artigas,
Su tropa bien arreglada...

Um silencio. E o soldado brasileiro repete:

Viva o general Artigas,
Su tropa bien arreglada...

Aí sonora gargalhada sacode todo o acampamento.

Fonte
BARROSO, Gustavo, A Guerra de Artigas, s/l, Ed. Getulio M. Costa, [1930]

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