segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Exército do Brasil: Diogo Arouche de Moraes Lara


Diogo Arouche de Moraes Lara foi um dos mais distintos infante brasileiros, militar e literariamente, que nunca chegou a ver a independência do Brasil. A sua Memória da Campanha de 1816, escrita no acampamento do Quaraí em 1817 logo após os eventos, só seria publicada em 1844, por iniciativa do seu camarada Machado de Oliveira. Foi à estampa 25 anos após o seu autor cair em combate, tentando libertar S. Nicolau, à frente do regimento que comandava.

O tenente coronel Diogo Arouche de Moraes Lara nasceu em S. Paulo em 1789, filho do tenente general José Arouche de Toledo Rendon [na foto] e de D. Maria Thereza Rodrigues de Moraes. 

Vinha de uma família paulista com grande tradição castrense, sendo o seu avô o mestre de campo (ou coronel) Agostinho Delgado Arouche e seu bisavô o sargento mor Francisco Nabo Freire, nascido em Lagos.

Muito pouco é conhecido acerca da fase inicial da sua carreira militar, mas terá estudado matemáticas e, em 1802, com cerca de 13 anos, é nomeado tenente da companhia de caçadores do 2.º Regimento de Milícias de S. Paulo, pelo capitão general da província, António Manuel de Melo e Castro de Mendonça. 

O capitão general seguinte (António José Correia da Franca e Horta, 1753-1823) ainda não havia confirmado a promoção por volta de 1803, mas notou que o tenente servia “sem nota”.  Em Maio de 1803, é inclusive indicado numa nota o oficial que Diogo Arouche vai substituir, Joaquim Pedro Salgado que havia sido agregado em capitão para fora da província.

Legião de S. Paulo

Não é certo quando integra a Legião de Voluntários Reais (também conhecida por Legião de S. Paulo), mas tê-lo-á feito na artilharia, conforme sugere o seu camarada Machado de Oliveira (Oliveira era também capitão graduado na infantaria, mas mais moderno que Diogo Arouche), provavelmente entre 1804 e 1808, tendo-se deslocado para o Rio Grande. Terá passado, previamente a 1809, à infantaria; na Legião, a arma era constituída de 8 companhias em 2 batalhões. 



Certo é que, a 27 de Junho de 1809, é promovido a alferes de 4.ª Companhia do 1.º Batalhão de Infantaria da  Legião de Voluntários Reais, de sargento (não indica mais nada, pelo que poderemos aferir que era também de infantaria).

Não é certo de que forma se relaciona o facto de Diogo Arouche Moraes Lara ter sido tenente de milícias e depois, passado a uma unidade de linha, ou como sargento ou até assentado praça. Pode ter sido que a promoção não foi confirmada pelo novo capitão general, ou uma muito incomum despromoção de oficial, ainda que passando da 2.ª à 1.ª linha. A primeira possibilidade é a mais certa, pois não tenho conhecimento de nenhum caso semelhante na segunda senão por punição disciplinar (e ainda assim, para um jovem cavalheiro, a demissão era preferível).

Participa na campanha de 1811-1812. Machado de Oliveira indica que Moraes Lara, então ou alferes ou tenente serviu como parlamentário com grande distinção

A 13 de Maio de 1813, na promoção geral após a campanha, é promovido a ajudante do 1.º Batalhão de Infantaria da sua unidade. Ajudante era o assistente do sargento mor, em matéria administrativas e logísticas e estaria ao nível de tenente.

A Campanha de 1816

A 25 de Julho de 1814, é graduado em capitão de infantaria na Legião. Serviu como diretor do Arsenal de Porto Alegre, mas em 1816 retorna à Legião na área do Rio Pardo para servir na campanha iminente. 
Os dois cargos em que serve neste período são indicativos de uma forte competência em termos administrativos, seja como ajudante do major do seu batalhão, seja gerindo o arsenal da capital da província.

Com 27 anos, é capitão graduado de infantaria da Legião e participa da batalha de Catalán [saiba mais], onde segundo Machado de Oliveira, Moraes Lara comanda uma das partes da carga de infantaria na parte final da batalha que ajudou a derrotar o ataque principal oriental: 

[...] e posto enfim à frente de uma massa de infantaria penetrou o bosque, em que se entrincheirara uma grande parte da infantaria inimiga, e donde sustentava um fogo mortífero contra a espalda do acampamento, bateu denodamente esta força, e obrigou-a a aceder depois de vigorosa resistência, rendendo-se mais de 200 prisioneiros.”

Já no acampamento do Quaraí, em 1817, Diogo Arouche Moraes Lara escreve uma das mais importantes fontes dessa primeira fase do conflito, especialmente em Entre Rios e Missões. 
Os mapas que lhe vem anexos são preciosos croquis das batalhas de S. Borja, Arapéi e Catalán. 

Ainda que escrito em 1817, o manuscrito só em 1844 reemerge pelas mãos de José Joaquim Machado de Oliveira, que o transcreve e faz publicar na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), em 1845, assim como uma biografia de Diogo Arouche, a qual, pela sua proximidade ao oficial, dou mais valor, ainda que a mesma esteja longe de exata ou precisa.

A 22 de Janeiro de 1818, é promovido a Capitão efetivo, no comando da 1.ª Companhia do 1.º Batalhão da sua legião, o lugar de maior prestígio para um oficial da graduação dele. Já agora, o seu camarada e biógrafo Machado de Oliveira era o comandante da 1.ª Companhia do 2.º Batalhão.

Já próximo do final da guerra, por volta de 1818-1819, é promovido a tenente coronel, no comando do recém-criado Regimento de Milícias Guarani a Cavalo, de Missões, formado a partir das companhias de milícias a cavalo de Missões (8 de guaranis e 3 de brancos, originalmente), que vinham já de 1811.

Morre em combate, a 9 de Maio de 1819, com cerca de 30 anos. em S. Nicolau, no comando do seu regimento, ao tentar reocupar o aldeamento às forças orientais. Algumas fontes dão-no como não tendo ainda cumprido o seu 30.º aniversário, sendo que assim terá nascido entre Junho e Dezembro de 1789.

Memória(s) da Campanha de 1816

No manuscrito da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [conheça aqui, abre nova janela], está ao início uma Advertência que, quando da publicação em 1845, foi omitido ou não existia no manuscrito usado por Machado de Oliveira. Seja como for, aqui a transcrevo, convidando também  ler a versão publicada na RIHGB, em 1845, que pode ser lida aqui:


Advertencia.
O Amor da Patria, e do meu Soberano me faz tomar o maior interesse por tudo quanto he util, e gloriozo para ambos. A Campanha d' 1816 feita pelas Tropas da Capitania do Rio Grande de S. Pedro do Sul, he pelas brilhantes acçoens militares nella havidas hũa das muitas que fundamentam a digna reputação das Armas Portuguesas, a Gloria Nacional, e a de El Rey D. João 6.º. E dezejando conservar a memoria de tão brilhantes acçoens, assim como os respeitaveis nomes de tantos heróes, q nella fizerão-se remarcaveis, me propuz a escrevêla; e puz em pratica o meu dezejo, prevalecendo o Patriotismo às dificuldades, que me apresentavão as faltas de talentos, e dos conhecimentos precizos de todas as particularidades, que as partes officiaes das mesmas acçoens militares não mencionão, e que exigião pennoza investigação para alcansallas, muito principalmente em meio dos tumultos de hũa guerra activa. Escrevi pois como pude, e expuz os factos taes, e quaes conheci, sem me poupar ao trabalho de investigar a verdade; ficando-me sempre o pezar de o não poder fazer com aquela elegancia, que meresse tão grave assumpto: estimarei porem, que hũa pena digna delle, podendo-se aproveitar da noticia que dou daquelles acontecimentos, os descreva de maneira, que se eternizem os nomes dos meos honrados Patriotas, que trabalhárão com distinção naquella memoravel Campanha, e chegue ao conhecimento das geraçoens vindouras a prezente gloria do meu Rey, e da minha Patria. 
O Autor

Não existe, tanto quanto sei, um retrato de Moraes Lara, o que muito completaria a ideia de quem foi o militar, sempre muito baça pelas lentes do tempo.

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Imagem de topo
- Várzea do Carmo (Arnaud Pallière). fonte: Wikicommons. São Paulo, 1821.

Fontes
- Gazeta do Rio de Janeiro
LARA, Diogo Arouche de Moraes – Memória da Campanha de 1816, in Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, Tomo VII, n.º 26 – Julho de 1845, p.: 123 a 170, terceira edição, Rio de Janeiro ; imprensa Nacional, 1931, p.: 123 a 170.
- ------------ - Apêndice à Memória da Campanha de 1816, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo VII, n.º 27 – outubro de 1845, p.: 263 a 317, terceira edição, Rio de Janeiro ; imprensa Nacional, 1931, p.: 363 a 317.
- OLIVEIRA, José Joaquim Machado de, Breve Noticia Biographica sobre o Auctor da Memoria da Campanha de Artigas, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo VII, n.º 27 – outubro de 1845, terceira edição, Rio de Janeiro ; imprensa Nacional, 1931, pp. 256-262.

- BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento, Dicionario Bibliographico Brazileiro, v. 2,Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883. pp. 175-176
- BOEIRA, Luciana Fernandes, Como Salvar do Esquecimento os Atos Bravos do Passado Rio-Grandense: A Província de São Pedro Como um Problema Político-Historiográfico no Brasil Imperial (Tese de doutoramento), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013pp. 162-163
- CEZAR, Adilson, "Elogio de Adilson Cezar a seu patrono Ten Cel Diogo Arouche de Morais Lara". in: O Guararapes, Órgão de Divulgação das Atividades da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, Aditamento ao N.º 42, Julho e Setembro 2004, http://www.ahimtb.org.br/guarara42a.htm. página de internet [31.1.2018]
SILVA, João Manuel Pereira da , Os varões illustres do Brazil durante os tempos coloniaes. 2 tom. [t. 1], (3.ª Edição),  Rio de Janeiro: B. L. Garnier. 1868

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Memórias: Expedição do Arroio de Barriga Negra (Fevereiro-Março de 1818)


Excerto de BARRETO, João da Cunha Lobo, “Apontamentos historicos a respeito dos movimentos e ataques das forças do comando do general Carlos Frederico Lecor, quando se ocupou a Banda oriental do Rio da Prata desde 1816 até 1823 (…)”, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 196, Julho-Setembro 1947, pp.4-68. Leia aqui a biografia de João da Cunha Lobo Barreto.

«O General Pinto [Sebastião Pinto de Araújo Correia, (1784-1818), biografia], fazendo valer na corte os seus serviços, dizem que propusera a ocupação da Província de Entre-Rios, e para esta expedição se formou na Fronteira do Jaguarão um Corpo de tropas de que ele era o comandante; e dizem até que lhe fora expedido o Diploma de Capitão General da província do Uruguai; titulo de que jamais usou visto que não se pode verificar semelhante plano. Compunha-se esta coluna de um batalhão de libertos do Rio de Janeiro, que estranhando o clima, e as marchas forçadas, que fez desde Santa Catarina até o Rio Grande, estava reduzido a pouco mais de 300 praças; e de vários destacamentos de cavalaria de Milícias do Rio Grande, Santa Catarina e São Paulo; montando tudo em 1,000 e tantos homens. (6)

Avisado o General em Chefe [Carlos Frederico Lecor (1764-18369, biografia] da marcha desta coluna, ou porque temesse que o seu comandante fosse atacado por forças superiores, e derrotado, ou porque quisesse passar-lhe revista antes de seguir o seu destino, o caso é que ordenou reservadamente ao General Silveira [Bernardo da Silveira Pinto (1780-1830), biografia] que se fosse com ela encontrar. 

No dia 8 de Fevereiro tomou este o comando de oitocentos homens, a saber: um batalhão organizado de duas companhias do 2° Regimento de Infantaria da Divisão, e 2 de cada um dos Batalhões de Caçadores; comandado pelo Coronel Francisco de Paula Rosado; os Esquadrões do Coronel Marques [Manoel Marques de Sousa, II (1780-1824, biografia), e dois da Divisão comandados pelo Major Abreu [José de Barros e Abreu, Cav. DVR]; uma bateria de três peças e um obus, comandada pelo Major Andrade ; e as guerrilhas do Coronel Alvim. 

No dia 9 se pôs esta coluna em marcha sobre Canelones, e ali se demorou três dias observada por algumas partidas inimigas; e depois retrogradando sobre a Praça, descansou a duas léguas de distancia por espaço de 24 horas, e a 14 seguiu de noite pela estrada de Maldonado, fazendo assim duas jornadas sobre este ponto; porem ao 3° mudou de direção marchando para o Povo das Minas aonde acampando se demorou oito dias: estes movimentos foram tão bem mascarados, que em algumas destas marchas o inimigo nos perdeu de vista, sem que se pudesse atinar o desígnio de semelhante expedição; pois de certo foi talvez a única manobra reservada, que se desempenhou com mais segredo em todo aquele Exercito; e tanto que todos os comandantes de Corpos ignorarão o fim e tempo que duraria esta digressão, de sorte que o do 1° Batalhão de Caçadores, supondo que iria ocupar a Colónia, permitiu que os seus respetivos oficiais levassem barracas, e toda a sua bagagem, ao mesmo tempo que o do 2° Regimento, persuadindo-se de que seria uma sortida que duraria poucas horas ou dias, tinha mandado as suas companhias só com capotes emalados, e sem a menor bagagem; era na realidade um contraste gracioso; estes posto que mais leves; viam-se rotos, e precisados a estarem mesmo nús junto dos arroios enquanto lavavam sua roupa; e aqueles, carregados com suas mochilas, mal diziam seu peso, porem gozavam da melhor comodidade nos acampamentos, apresentando-se sumamente asseados no acto de revista; esperando porem os seus oficiais perderam todas as bagagens pela velocidade de suas marchas, quando os daquelas companhias se viam no vergonhoso estado de não terem uma camisa para mudar: nesta ocasião se provou o quão próximos se acham o prazer, e o desgosto. 
Levantando daqui acampamento nos entranhamos campo dentro, buscando o Arroio de Barriga Negra, onde fizemos alto por espaço de mais de 15 dias; ignorando ainda o fim desta manobra; apesar de que o General tivesse recebido alguns próprios, que no momento despedia. Tendo-se-nos acabado todas as munições de boca, ficamos reduzidos a comer a simples carne, e sem sal. Os soldados europeus que pela primeira vez sofriam tais privações, sentirão debilidade inexplicável que em pronto degenerava em epidemia se acaso ali nos demorássemos mais tempo.

Lavalleja,(7) que durante a nossa estada nas Minas, apareceu com uma força nas colinas imediatas observando a nossa direção, deixou de nos seguir ao segundo dia que dali levantamos; e assim andamos sem ser molestados por suas guerrilhas, tanto na marcha, como neste acampamento. Por este tempo voltou a aparecer o inimigo nas aproximações do nosso acampamento, e três dias depois se viu ao longe uma coluna, que para nós se dirigia; era o General Pinto, que então observado por aquele o investiu com um forte tiroteio, o que obrigou ao General Silveira a mover-se para proteger as ditas forças.

O silencio, que o inimigo até ali tinha observado, e a rapidez com que deixando suas posições partiu a atacar aquela coluna, deixava a pensar de que ignorava também a sua marcha; pois a sabe-la as forças que ali tinha, e o mau estado em que vinhão as tropas do General Pinto, lhe proporcionavam ocasião, de as bater com muita vantagem; fosse o que fosse, a 20 e tantos de Março estavam os dois generais portugueses reunidos junto ao referido Arroio. 
O General Pinto atendendo as faltas que tínhamos de mantimento mandou distribuir imediatamente á nossa coluna algumas rações de farinha e sal, e ali se demorou por espaço de dois dias ordenando no entretanto que um destacamento de quatrocentos homens fossem buscar todas as cavalhadas, e bois mansos que houvessem na estância de uma viúva, que residia a um dia de marcha do dito Arroio, pelo simples motivo de lhe constar terem ali tomado cavalos alguns desertores dos Corpos da coluna do seu comando: ordem esta que o Tenente Coronel Canavarro [Caetano Alberto de Souza Canavarro, 1.º Bat Caçadores, DVR], comandante deste destacamento não executou; conduzindo só alguns poucos bois e cavalos para o acampamento. 
O General Pinto o repreendeu pela sua moderação, por mais que o mesmo lhe fizesse ver, que os desertores tinham tornado á força cavalos, e roubado um pouco de dinheiro à dita Senhora: e daqui inferimos que outro motivo particular incitava a vingança daquele malévolo General. 

Em abono da verdade diremos que o Tenente Coronel Canavarro, em nada era inferior em condição ao General Pinto; e só sim tinha mais algum talento a que juntava a mais refinada impostura: e por isso o mais apto para semelhante expedição: porem a afabilidade e a prodigalidade com que a dita Senhora tratou tanto a ele como aos oficiais do destacamento, incitou a sua comiseração, pois que, alem de ter sido muito bem hospedado, trouxe um bom fornecimento de pão, vinho, cerveja, e sal, (1) que a mesma lhe ofereceu. Temos sumo pesar de ignorarmos ora o nome desta Senhora, cujo estado nos contristou: era jovem, tinha bastante discernimento e afabilidade impondo quase respeito com seus modelos circunspectos; seu marido tinha sido, havia meses, assassinado no Cerro Largo, e ela conservava seus ossos no quarto em que dormia, em um pequeno caixão forrado de preto, que depositado sobre uma mesa á cabeceira da sua cama era alumiado efetivamente por duas velas; nós a vimos lamentando a sua morte, abrir o caixão e beijar a caveira do seu adorado esposo, sem ver copiosas lágrimas, ou romper em alaridos; mas sim com um ar melancólico que deixando escapar; como com violência, algumas lágrimas, bem patenteava a interna dor que lhe devorava as suas entranhas.

(1) Nesta ocasião não omitiremos que o Capitão Sá (conhecido pelo Sá doido) o desafiou por não repartir com ele um pouco de sal.

Na mesma casa haviam mais dois matrimónios de irmãos seus; posto que ela fosse o chefe de toda a família. Fazemos esta descrição afim de que nossos leitores votando a execração àquele General conheçam qual era a vítima, que pretendia perseguir; e bem digam este modelo do amor conjugal.

O novo Capitão General do Uruguai, tendo fatigado nas primeiras marchas os soldados e com a sua cavalaria a pé, assim mesmo. queria marchar para Entre Rios; porem consta-nos que fora contrariado pelo General Silveira, que lhe fez ver o mau estado das tropas, e o arriscado de semelhante empresa, se deliberou a tomar o caminho de Montevideu. As duas colunas marchavam unidas, mudando diária e alternativamente a sua frente; nos dias que a do General Pinto fazia a vanguarda, ia esta manobrando sempre sobre a marcha, ora tomando posições, ora fazendo escaramuças, até anoitecer; mudando as vezes duas e três vezes de acampamento; ao contrario, a do General Silveira quando formava a testa de coluna, destacava seus atiradores; e sem se demorar mais que o tempo necessário para descanso continuava a sua marcha na melhor ordem; e fazendo acampar os seus soldados, os deixava refazer, e descansar, colocando ele mesmo os postos avançados. 
Sendo diferentes as táticas, e índoles dos dois generais, é fácil de ajuizar de que pronto se indisporiam, o que não tardou a conhecer-se, pois que o 2° pretextando incómodos se meteu no seu coche, de que até ali se não tinha servido; e depois de dar as disposições sobre a marcha da sua coluna auxiliar, seguia assim na frente desta; e tanto é verdade isto, que sendo nós atacados junto do Passo dos – Dois Irmãos — este General montou a cavalo, sem a menor dificuldade, e desta sorte expediu as suas ordens todo aquele dia; sem que a sua saúde tivesse por isso a menor alteração. 

No referido passo houve alguns poucos mortos e feridos de parte a parte: e próximo as imediações de Toledo (8) uma partida das tropas deste mesmo General, comandada pelo Tenente Coronel Canavarro, surpreendeu outra inimiga, ficando em nosso poder oitenta e tantos prisioneiros, incluído o irmão de Fructuoso Ribera, Bernabé Ribera. Afinal chegarão á Montevideu estas tropas em princípios de Abril, depois de uma penosa marcha; porem sem sofrer grande perda; posto que tivessem havido alguns tiroteios, sendo porem o maior o que tivemos á vista da Praça no ato de tocarmos os postos avançados da nossa linha. (9)

Toda a cavalaria de Milícias, que acompanhou o General Pinto, se reuniu aos Esquadrões de linha do Coronel Marques, e ficou debaixo das ordens deste, no lugar do Pantanoso, formando um corpo separado com o titulo de — Divisão Ligeira —: os libertos se aquartelarão dentro da Praça; e a coluna provisória foi desfeita, recolhendo-se as praças, que a formavam, aos respetivos corpos. Por este tempo constou que um batalhão de libertos orientais comandado pelo Coronel Baccá, (10) e a artilharia que lhe estava adida, pretendiam passar-se para o nosso exercito, o General Avillez recebeu ordem para proteger esta insurreição e fez um movimento na linha, porem em ocasião desencontraria, pois só dias depois, e quase imprevistamente é que o dito corpo nos procurou; acossado pela cavalaria dos seus, e se refugiou próximo das nossas avançadas junto ao Serrito da Victoria, a tiro de fuzil das nossas vedetas.

[Notas do Barão do Rio Branco:]
(6) — Eram quase todos soldados bisonhos. Sebastião Pinto desembarcou com eles em S. Miguel, atravessou o banhado de S. Luís, passou o Cebollati no passo da Cruz e colocou-se no rincão do Pará. Aí apareceram o general Rivera e o capitão Julian Laguna, com mais de 2.000 homens, e começaram a incomodar a nossa coluna. 
(7) — Não era Lavalleja, mas sim Julian Laguna.
(8) — Nas imediações de Pando. A força inimiga era comandada pelo capitão Julian Laguna.
(9) — O choque a que se refere o autor teve lugar em Mango. O general Rivera com 800 homens caiu sobre a retaguarda do general Silveira, mas não conseguiu destroçá-la, e retirou-se. Precipitadamente.
(10) — O batalhão amotinou-se contra seu coronel Dr. Rufino Bansá (e não Baccá) e vários oficiais. Foram fuzilados alguns soldados, e outros muitos desertaram, passando-se para Lecor. Sufocado assim o motim o coronel Bansá, depois que Rivera retirou-se do sitio de Montevideu, passou a servir debaixo das ordens de Otorgés. Fatigado e sem esperanças de sucesso, Bansá e seus oficiais Manoel e Ignacio Oribe, Gabriel Velazco, San Vicente, Morjaim e outros muitos resolveram entender-se com Lecor, pedindo que lhes permitisse passar a Buenos Aires. Bansá tinha ás suas ordens 600 libertos e 3 peças de artilha. Obtida a promessa de Lecor, puseram-se em marcha para Montevideu e foram acutilados por Otorguez até as nossas avançadas, onde o general Avilez os recebeu.»