segunda-feira, 29 de julho de 2019

Memória sobre a dificuldade de fazer guerra em país cortado de rios e canais como no Rio da Prata (Francisco Maximiliano de Sousa, 1816)


Entre os papeis da coleção da família Araújo de Azevedo, que se encontram no Arquivo Distrital de Braga, encontra-se uma interessante memória do então capitão de mar e guerra  Francisco Maximiliano de Sousa. Enviada decerto ao secretário de Estado D. António de Araújo de Azevedo (1.º conde da Barca, 1754-1817), o oficial apresenta algumas sugestões acerca da melhor forma da Divisão de Voluntários Reais atuar no teatro do Rio da Prata, “em hum paiz cortado de rios”, sem o auxílio da marinha e um tipo específico de embarcação para o efeito.

Para lá do interesse técnico e táctico que o texto suscita sobre o momento histórico de 1816 e a iminente campanha portuguesa sobre a Banda Oriental, Maximiliano de Sousa refere também expressamente uma apresentação que o almirante Sidney Smith (1764-1840) fez no Rio de Janeiro em 1809 e num exercício que decorreu a 5 de Junho de 1809 na baía de Botafogo, com a presença do príncipe regente D. João, demonstando o uso e benefício das embarcações sugeridas.

Apesar do documento estar datado de 1810 (por causa de uma marca de água desse ano), é óbvio que o mesmo é de 1816, nomeadamente pela nomeação expressa da “Divizão de Voluntarios Reais de El Rey”, no primeiro parágrafo, nome pelo qual a grande unidade só passou a ter a 13 de Maio de 1816. Antes era “do Príncipe”, e ainda assim apenas desde Maio de 1815.

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Memória sobre a dificuldade de fazer guerra em país cortado de rios e canais sem auxílio de forças marítimas como nas margens do Rio da Prata, por Francisco Maximiliano de Sousa

A extrema dificuldade, ou para melhor dizer, a impossibilidade de fazer a guerra com vantagens em hum paiz cortado de rios, ou canais, sem hum auxilio de forças maritimas; me fiz lembrar algumas observaçoens aplicaveis á Divizão de Voluntarios Reais de El Rey no cazo de obrar activamente nas margens do Rio da Prata.

O pouco fundo do rio da Prata de Monte Vidéo para cima não premitindo ser navegavel a Navios de grande pórte; tórna se extremamente arriscado e dificil, pella sua largura, a passagem nos braços do Paraguai, sem hum poderosos auxilio maritimo: e como pellas razoens assima elle não pode sêr senão de embarcaçoens que não demandem mais de 3 athé 4 brassas, aprezenta-se logo a dificuldade de embarcaçoens miudas tanto para o embarque na margem Oriental, como para o dezembarque na Occidental, pois navios d'aquelle lote não podem conter Barcas chatas, ou grandes lanchas.

Para remediar este embaraço, e a despeza que cauzaria a construcção de embarcaçoens proprias para hum transporte, em huma estenção de nove a 10 legoas largura do paraguai entre Colonia do Sacramento e Barragan, lugar mui proprio para o desembarque na margem Occidental, me lembrei das canôas com Plataformas como aqui aprezentou o Almirante Britanico Sir Sidney Smith em 1809, e cujo serviço e rapidêz de movimentos prezenciou S. Mag. El-Rey Nosso Senhor a 5 de Junho do ditto anno na Bahia do Botafogo.

Hé esta maquina ou jangada (fig. 1.ª) composta de duas canôas de mediana grandeza, sôbre as quais se situa hum estrado ou platafórma segura as Canôas, por meio de cabos passados em arganéos dados no fundo d'estas, e olhais dados nos extremos dos barrotes, em que assentão as táboas, que formão a Plataforma (fig. 2).

Em hum e outro extremo d'esta Plataforma á hum estrado unido a ella por gonzos (fig. 3) para o embarque, e dezembarque, de Artilharia, Carros de Campanha, e cavalos. As Canôas se lhe poem hũa sobre-quilha, em que se dão os argonéos (fig. 2) e são bancadas para remadores; havendo vento poem-se mastros na Canôa de barlavento, sendo á bolina, e sendo largo ou á poupa em ambas (fig. 4) as Plataformas podem ser entrincheiradas pellos lados com os bailéos dos Navios; em ambos os extremos as canôas tem ferrage para lémes, cujas canas são unidas nas extremidades por hũa barra para o uniforme movimento d'ambos. Estas embarcaçoens compostas são de hu~a conhecida vantagem na passagem de Rios, mormente de pouco fundo, e em dezembarque de tropas, pois a si mesmas se protegem, d'ellas se fáz fôgo com muita facilidade e certeza pois tem immensa estabilidade e mesmo á vella nenhuma // inclinação por cauza do apoio da Canôa de sotavento. Sendo por qualquer cazo neseçaria a retirada, não precizão virár pois são proas ambos os lados. Eu vi, no exercicio em que assima falei, as Canôas fazerem mui rapidamente diversos attaques, e retiradas, embarcarem, e desembarcarem com muita facilidade duas pessas de ferro de calibre 6, pessas e reparos de marinha muito mais pezados que os de Campanha; a estas conhecidas vantagens junta-se a facilidade do transporte, hũa Corvêta do lóte do Voador, ou Calypso, navios muito proprios para o serviço do Rio da Prata, pode sem embaraço levar 8 ou 10 Canôas, os estrados, ou Plataformas, sendo feitos de cavilhas com pórcas, se desarmão, e armão em hũ momento, e ocupão muito pouco lugar: temos por tanto cada corveta, ou navio semilhante com 4 ou 5 embarcaçoens que cada hũa leva bem 40 homens e 2 pessas de Artilharia com hua das quais protege o seu desembarque e com a outra cobre a sua retaguarda: // Quais são as embarcaçoens miudas que apprezentão estas vantagens? A não serem barcas chatas construidas expressamente para este serviço. A grande facilidade de ter as Canôas em hum Paiz de que ellas são as embarcaçoens ordinarias, a pouca despêza, e facilidade de fazêr os estrados, a comodidade do transporte, e a defêza que aprezentão tanto em attaque como em retirada, me fáz parecêr este methodo muito digno de ser empregado no serviço do Rio da Prata.

Ainda que o serviço mais proprio destas jangadas seja para lugares de pouco fundo, pois que embarcação alguma demanda mênos agoa; não posso deichar de as julgar mui adquadas para as praias em que houvér ressáca, ellas não podem ser envolvidas, e embarcádas pellas vágas, o que muitas vezes succede as embarcaçoens de quilha.

Este methodo pode com muita facilidade ser aperfeiçoado a hum ponto extraordinario // Por exemplo pondo cobertas nas Canôas; então seria nececario que o modo de segurar os barrotes dos estrados ás canôas fosse alterado, isto hé que os olhais fossem sobre a coberta mas sempre seguros para o fundo da canôa; couza muito facil e que as tornava de huma segurança tal que már algum por mais grôço que fosse as poderia  submergir: Augmentando o numero das canôas isto hé 3 em lugar de 2.

Sou com tudo obrigado a dizêr, que nem este methodo, nem algum outro, deverá ser posto em pratica no Rio da Prata, a não ser nos mezes que decorrem do fim de Setembro ao principio de Fevereiro, sem com tudo afirmar sér impossivel fazêlo nos outros mezes bastante tempestuozos n'aquelle Paiz: mas para isso serião neseçarias medidas que o nosso estado de marinha não possue, e que tomalas levaria mais tempo que o comprehendido entre o prezente, e a epocha que aponto.

Francisco Maximiliano de Sousa

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Fonte
PT/UM-ADB/FAM/FAA-AAA/E/004445
Memória sobre a dificuldade de fazer guerra em país cortado de rios e canais sem auxílio de forças marítimas como nas margens do Rio da Prata, por Francisco Maximiano de Sousa. Possui uma prancha com a sugestão dos diferentes tipos de embarcações a utilizar. Data 1810 [datado incorretamente; parece ser de 1816]. 10 pp. não num. [7 pp. + 3 pp. em branco]; 202 x 250 mm.

A transcrição obedece à ortografia original do documento. O documento pode ser visto no sítio do ADB em http://pesquisa.adb.uminho.pt/details?id=1415768 

Imagem
- PT/UM-ADB/FAM/FAA-AAA/E/004445, Arquivo Distrital de Braga

Breves dados biográficos acerca do autor
Francisco Maximiliano de Sousa era guarda marinha em 1790, tendo sido promovido a 1.º tenente em 1795 e, presumivelmente, a capitão tenente no ano seguinte.
Em 1806 era promovido a capitão de fragata, tendo comandando, em finais de 1807, a corveta Voador na transferência da Corte para o Brasil. Não é certo quando obteve a promoção a capitão de Mar e Guerra, mas é graduado em chefe de divisão em finais de 1817.
Posteriormente, serve como secretário de estado da Marinha no governo nomeado pelas Cortes Constituintes em janeiro de 1821 e comanda uma esquadra portuguesa em 1822-23 no âmbito da guerra da independência brasileira.
O seu nome aparece por vezes, e erradamente, como Francisco Maximiano de Sousa.

sábado, 20 de julho de 2019

Tomada de Melo (9 a 13 de Agosto de 1816)



De forma a preparar a chegada dos Divisão de Voluntários Reais (DVR) ao sul, assim como para estabelecer desde logo pontos de apoio face a qualquer oposição oriental na área da fronteira do rio Jaguarão e Chui, foi considerado fundamental pelo governo do Rio de Janeiro, em acordo com os objetivos da campanha, mandar as forças da capitania do Rio Grande do Sul ocupar a vila de Melo e a fortaleza de Santa Teresa.

Enquanto que Santa Teresa, uma fortaleza originalmente construída pelos portugueses em 1762 (e perdida para os espanhóis no ano seguinte), dominava a estrada real para Montevideu e Colónia, numa zona estreita de terra próxima a Castillos entre a Laguna Negra e o mar, Melo dominava uma estrada secundária que passava pelo interior, a ocidente da Cochilha Grande, a principal cadeia montanhosa da Banda Oriental, e que levava a Minas e depois também à estrada principal, em Pan de Azúcar.

A posse de ambos os pontos era essencial agora em 1816, como em campanhas anteriores (Santa Teresa havia sido ocupada na campanha de 1811/1812, mas logo depois abandonada), não só para garantir a segurança das rotas inevitáveis de penetração portuguesa (que não estavam ainda plenamente estabelecidas), como para criar pressão sobre as divisões orientais na zona (Fernando Otorgués no interior, próximo a Melo; e Frutoso Rivera na área costeira de Maldonado, um dos dois portos de águas fundas da província), negando assim também ao inimigo o conhecimento das verdadeiras intenções portuguesas, o número e movimento das suas tropas.

Começa...
Assim, enquanto a DVR parte do Rio de Janeiro, o Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, Fernando José de Portugal e Castro, 1.º marquês de Aguiar, no Rio, manda instruções, a 6 de Junho, ao capitão general do Rio Grande, então de S. Pedro, Luís Teles da Silva Caminha e Meneses, marquês de Alegrete para que, entre outra medidas, mande ocupar Melo e Santa Teresa.

A 12 de Julho, o marquês de Alegrete transmite essas mesmas ordens ao tenente general Manuel Marques de Sousa, comandante das forças da capitania na fronteira do rio Jaguarão, logo a sul da Vila do Rio Grande e cuja área de atuação dizia respeito a toda a área oriental da fronteira portuguesa com a banda oriental, estipulando inicialmente que a ocupação dos dois pontos devia ser simultânea no dia 20 de Agosto. 

Em novas ordens a 17 de Julho, decerto devido a questões diversas na reunião das forças nos dois pontos de partida, o marquês do Alegrete indica que os dois objetivos devem ser tomados antes do dia 20, ainda que em dias diferentes.

Vila de Melo
Para a ocupação de Melo foi escolhido o coronel Félix José de Matos, comandante do Batalhão de Infantaria e Artilharia do Rio Grande, assim como um pequeno destacamento de infantaria da DVR, a grande maioria da cavalaria da mesma divisão, assim como mais cavalaria de linha, de Milícias e Guerrilhas. 

Para Santa Teresa, que tratamos noutro artigo, cujo objetivo tinha um maior significado simbólico, pelo facto de ser o forte originariamente uma construção portuguesa, o tenente general escolheu o seu filho, o sargento mor Manuel Marques de Sousa, da Legião de Cavalaria Ligeira do Rio Grande (também eles Voluntários Reais de nome), para comandar uma força constituída por cavalaria da Legião riograndense e da Legião de S. Paulo. A escolha deste oficial foi sugerida pelo marquês de Alegrete logo nas ordens originais de 12 de Julho, destinada decerto a honrar o pai e o bom serviço do filho.

A ambos os comandantes foi entregue o estandarte nacional para que fosse formalmente hasteado nos dois locais, com toda a pompa. Este era o início da invasão portuguesa.

Enquanto que Félix José de Matos entra em Melo pela manhã de 13 de Agosto, Manuel Marques de Sousa conquista o forte de Santa Teresa pelas 7 horas da manhã do dia 16, enviando a parte oficial, fazendo o relatório que transcrevo em seguida, valendo por si na descrição do que aconteceu nesse dia.

Melo hoje em dia, com a catedral ao fundo (Wikicommons)

Copia do Oficio que escreveu o Coronel Feliz José de Matos, Comandante da Coluna, e da Vila de Melo ao Tenente General Manoel Marques de Souza.


«[…] Tenho a distincta onra de participar aV.Ex.ª que ontem pela uma ora da tarde entrei com as Tropas que V.Ex. me confiou nesta Vila de Melo, e estamos Acampados junto ao Rio Taquary a o Noroeste da Povoação: Este é na verdade um lugar esteril, sem lenha, nem fiado; o primeiro artigo por que a natureza o negou; o segundo por que os insurgentes tem pasado todo para o outro lado.

Partimos do Serrito a 9; mas neste día apenas pude fazer atravesar Jaguarão a Tropa, e Cavalhadas pernoitando na Guarda do Arredondo: a 10 acampamos no paro do Damazio no Arroyo Sarandy: a 11 fizemos alto em Arroyo Malo: a 12 viemos parar a Chuy, e a 13 acampamos aqui felismente: durante a nosa marcha e ainda oje parece que a natureza tem caprixado em dezenrolar chuvas, e trovoens: a 11 quando ja montados para marchar caio hum raio e matou hum Soldado Miliciano Francisco de Quevedo da 8.ª Companhia, e outro ja nesa noite tinha asombrado uma Sentinela do Batalhão do meo Comando: por tanto era imposivel que a 11 como tencionava entrase : a Tropa asim mesmo venceu deficuldades só filhas de maior entuziasmo.

Bernabé Saens Comandante desta Vila apenas teve noticia do ataque do Arrendondo, fez reunir así todos os vezinhos, e Familias destes circuitos, e por tanto achamos o Campo inteiramente despovoado.

Saens veio com 7 omens a bombear a marcha desta Divizão no dia 12, e quando tinha atravesado Chuy encontrou ao lado da nosa marcha um Pião da cavalhada Miliciana matou-o vilmente, e repasou Chuy com tanta precipitação que perdeo o ponxe e chegando a esta Vila ajuntou os vizinhos e muitas Familias, e pasou ao outro lado de Taquary: foi á meia noite de 12 para 13 que Albano de Oliveira e Bento Gonzalves se me aprezentarão no Paso de Chuy fugidos do Comando de Saens, e me deraõ a noticia da morte do Peão, e da sua retirada, e de que alguns armamentos encarretados tinhão havia 24 oras pasado Taquary em direrão ao Acampamento de Otorguez que tenho por noticia está acampado em Sapalhar [Zapallar] 12 leguas desta Vila com forra de mais de 600 ómens entrando os vizinhos que tem reunidos, e Fructuoso Ribeiro que de Monte Video lhe veio em socorro com 100 ómens: dizem que o seu destino é atacar-nos outros que atravessar o Rio Negro, e conseguir ajustar-se com Artigas nos Taquarembós: seja o que fór, devo recorrer o participar a V.Ex.ª que para fixar este ponto é precizo que sejamos rapidamente reforzados com gente, e munição, e eu espero de V.Ex.ª tiro tão necesario socorro: os Milicianos não tem armas, nem munição.

O Capitão Manoel Joaquim que com 15 ómens da sua Partida se me reunio tia madrugada de 12 do corrente no Paço de Chuy, saio oje d'aqui com 81 omens de todos os Corpos a pasar Taquary no Paro da Cruz, e ir observar os movimentos dos insurgentes, e ver se obstava a junção de Otorguez com Artigas, mais objectos recomendados na Copia do Oficio junto. Devo acrescentar que do Paro de Chuy fis adiantar a Legião reforzada até cem omens de Batalhão Comandados pelo Tenente Coronel Paiva, a huma ora da noite, e vindo amanhecer á margem de Taquary defronte desta Vila ja não achou os insurgentes que Saens levava, nem tão pouco a Carreta de armas, que para este citio tinhão vindo de Monte Video em numero de 300 parte das 50 que os Americanos lhe todas boas, e com seu respectivo Correame.

O rigorozo inverno que continua não nos tem dado um pequeno espaço para com solemnidade arvorar-mos a Bandeira Portugueza, o que amanhã tenciono fazer seja qual for a Estação.
No mesmo momento da minha chegada a esta Vila, fiz vir a frente da Tropa o Cura da Freguezia, e todos os poucos vezinhos que deixarão aqui, e lhe li a Proclamação do Ex.º S. Marquez; mas não aprezentarão semblantes de contentes, porque o espirito de revolução é geral; ja lhe fiz ver a ordem que tenho para comprar Cavalos que não tem produzido efeito algum pois que os Fazendeiros que os podião vender pasarão com eles ao outro lado de Taquary voluntarios ou obrigados.
A nosa Cavalhada chegou muito aniquilada pelos grandes invernos que tem sofrido durante a marcha ; o gado para municio é precizo correlo em Partidas, e encontra-se muito pouco: finalmente se Manoel Joaquim nos não descobre o Campo ficaremos sugeitos a muitas privazoens: Eu no entretanto aqui fico neste ponto que conservarei até a ultima gota de sangre, se tanto for precizo para gloria e proveito de Sua Magestade.

Hoje pelas cinco óras da tarde se recolheu o Capitão Gaspar Pinto Bandeira com 45 omens da sua Partida que não atacou as Guardas no dia 9 por que não pode atravesar Jaguarão: O Major Albano chegará aqui a manhaá, e sei que tambem teve o mesmo suceso: não foi util esta falta de acontecimento. O tranzito, e comunicação deste Campo com o Serrito creio está seguro: em quanto á comunicação da Fronteira de Rio Pardo na direção da nosa direita não o poso segurar até que não receba partes do Capitão Manoel Joaquim.

Incluzos aprezento a V.ª Ex.ª, o Mapa da forra disponivel que V. Ex.ª me fez a onra de entregar, por onde se ve que ao total 662 omens é muito diminuta.

A Tropa preciza farinha, e Abarracamento por que desde o dia 9 que está exposta, e nem aqui temor ao menos mato conde se cortem humas varas para fazer ranxos.
Remeto a Portaria asignada por Manoel Joaquim como V.Ex.° ordenou; asim como a Carta do Comandante Saens me deixou nesta Povoação, e que me foi entregue pelo Cura.- Tambem remeto tudos os papeis que se encontrarão no Comandante da Guarda do Arredondo, e relação dos petrechos de guerra que se encontrarão nesta Vila.

Digne-se V. Ex.ª aceitar os nosos reverentes cortejos de toda esta Tropa em geral que suspira por V. Ex.ª e eu mais que todos.
= Deos Guarde aV.Ex.ª muitos annos.
Acampamento da Vila de Melo a 14 de agosto de 1816 = Illº e Ex.º S.r Manoel Marques deSouza = Sou de V Ex.ª O mais fiel Subdito, e reverente criado - Felis Jozé de Matos.»


* * *

O Memorável dia 9 de Agosto proximo passado
Entretanto, o coronel Félix José de Matos, como já vimos, teve o prazer de ser o primeiro comandante português a entrar em ação logo a 9 de Agosto, destroçando a guarda de Arredondo, entrando dias depois, a 13, em Mello (ou vila do Cerro Largo, como era então conhecida). 
A 10 de Setembro, há quase um mês ocupando aquela vila, publica uma ordem de dia dando nota dos louvores públicos do capitão general da província, o marquês de Alegrete, o tenente general Manoel Marques de Sousa e do sargento mor João Vieira de Carvalho. 
O coronel Félix já sabia que iria render o seu comando interino e cumpria deixar em memória o que a coluna fez até então.

«Copia
Ordem do dia 10 de Settembro de 1816.
Divisão da Vanguarda

“O incadeamento das nossas bravas operaçõens desde o memorável dia 9 de Agosto proximo passado me tem ocupado effectivamente nas Partecipaçoens oficiaes que tenho feito subir à Prezença dos nosso Exmos. E sabios Generaes, e hé este obstaculo que me tem demorado a fazer prezente aos meus valorozos Companheiros e amigos os elogios que temos merecido daquelles Exmos. Senhores. 

Em oficio de 7 de Agosto ultimo, expressa-se o Exmo Snr. Tenente Gen.al Manoel Marquez de Souza da seguinte maneira = Tive justo prazer ao ler a carta oficioza de V. S. escrita a 4, noticiando-me a feliz viagem que V. S. fez, e o Bam. Do seu Mando, chegando ao Serrito no dia 3 por noite, o que assaz estimei... Fico esperando por alegres noticias de V. S. e dos mais Camaradas; a quem no fundo do meu coração correspondo com iguaes  (…...)”.
Continua o mesmo Exmo. Sr. Em Despacho de 21 do dito de Agosto= “Confesso a V. S. que me enxi de tal contentamento quando vi as letras suas, que eu mesmo não tenho termos próprios para explicar qual foi a minha alegria considerando os trabalhos, e árduos embaraços do transito com aquelle rigorozo temporal, vencidos com o favor do Ceo. Justos parabens dou a V. S. de achar-se ocupando essa Povoação do Sero Largo, desejada pelo nosso Exmo. Capitão General Marquêz de Alegrete.”
A 30 do mesmo Agosto o Exmo. Snr. Tenente General Manoel Marques de Souza continua assim nas expreções = “Aqui incluo por Copia o oficio que ontem recibi do Exmo. Senhor Marquêz Gov.or e Capitão General firmada a 23 de Agosto, para V. S. fazer ler na frete dos nossos Camaradas sofredôres que tão provados estão nisso, mostrando a firmeza e amor que tem a seu me-// melhor dos Soberanos, e honrados oficiaes que os regem: igualmente dous capitulos da carta particular do Sarg. Mor João Vieira de Carvalho para V. S. impôr-se no relatado delles: Saúdo o Illmo. Snr. Tenente Coronel José Maria de Almeida, todos os mais oficiaes, assim como aos Camaradas soldados da maneira mais afectuoza, e saudoza”.

A Copia do oficio incluído do Exmo. Snr. Marquez de Alegrete hé dactado a 23 de Agosto proximo passado; e seu conteudo hé assim = “ Illmos e Exmo. Snr. = o oficio de V. Exc.ª de  17 do prezente merece huma ceparada resposta. Dous soldados desta Capitania tiverão a onra de derramar o seu sangue no Serviço de Sua Majestade; e as Tropas aprezentando-se pela primeira vez ao inimigo mostrarão-se dignos da honra que S. Mag.e lhes destina, mandando-as servir promiscuamente com Heróes aclamados por taes pelo Mundo inteiro: demo-nos pois reciprocamente os parabens, e encarregue-se V. Exc.ª de fazer os devidos elogios, os quaes não me atrevo a inividuar em quanto não sou informado circunstanciadamente”.
Os dois capitulos do Major [João] Vieira [de Carvalho] são os que transcrevo = “O Senhor Marquêz dice-me que prevenisse a V. Exc.ª que depois de ter feito o seu oficio hé que percebeu melhor, que os feridos na acção de Arredondo são Hespanhoes; e não nossos: neste cazo não regula o que elle dizia àquelle respeito. Depois desta fezada[?] disse-me o senhor Marquêz que dexejava e lhe parecia muito bem, se a Divizão do Cor.el Felix oferecesse ao General Silveira o par de pistolas do Commandante do Arredondo.”

Ultimamente recebi com dacta de 2 do corrente expressoens mui lizongeiras de S. Ex.ª que fielmente copio = “Eu vou cheio de satisfação enviar a V. S. a Copia dos oficio que me expedio em 26 de Agosto o Exmo. Senhor Marquêz Governador e Capitão General em resposta à minha partecipação, incluindo a que V. S. deu depois q // que ocupou com as Tropas do seu mando a Povoação do Serro Largo, e nella arvorou a Bandeira Real de Sua Mag.e. Eu tenho huma grande parte nas demonstraçoens aplauziveis com que S. Exc.ª se mostra satisfeito das operaçoens trabalhozas com que V. S. e seus valentes companheiros abriram a nova Campanha; por tal motivo, com extraordinaria alegria dou justos parabens pelo conceito que faz S. Exc.ª tanto de V. S., como da sofredôra Tropa em tão rigoroza estação. V. S. satisfará ás determinaçoens, ou dezejos de S. Exc.ª na frente da Tropa. Oh, com que magoa, e saudade eu não tenho a fortuna de ser Companheiro neste dia de prazer, em que V. S. há de publicar, a satisfação com que o Exmo. Snr. Marquez leu os sobreditos oficios, e o faz publicar.”

Eis aqui, meus Camaradas, o oficio do Exmo. Senhor Marquez – “Illmo. e Exmo. Senhor = Avalie V. Ex.ª a minha satisfação pela sua, façamo-nos assim reciprocamente justiça. Em dia de ontem ás duas horas da tarde recebi o oficio de V. Ex.ª de 20 prezente mez, acompanhado das participaçõens q da Villa de Mello dirijio a V. Exc.ª o Cor.el Felix Jozé de Mattos, e do Forte de Santa Thereza, o Sargento Mor Manoel Marques de Souza: eu vou apreçar-me em fazer chegar à Prezença de S. Magestade a distincta conducta destes dois oficiaes, queira V. Ex.ª entretanto dar-lhes em meu nome os merecidos agradecimentos que elles estimárão repartir pelas Tropas que comandão, e que como sempre esperei, começão a mostrar-se signos do nome Portuguêz, e dos Camaradas com quem vão ter a onra de misturarem-se.”

Sem duvida que o Exmo. Senhor Marquêz Capitão General, e o Exmo. Senhor Tenente General Manoel Marques de Sousa, estão satisfeitos completamente dos nosso Serviços, e Fadigas, e eu tenho hoje a honra de // de agradecer aos Illmos. Senhores Chefes dos Corpos; a todos os Senhores oficiais, e oficiaes Inferiores, e Soldados o caprixo, e muito entuziasmo com que se tem desvelado nos seus deveres, e boa armonia: o Illmo. Sr. Ten Cor.el Jozé Maria de Almeida hé inegavel o valor, e energia e descernimento que mostrou na acção de Aredondo, e no reconhecimento das partidas avançadas do inimigo: o Tenente de Milicias Antonio Ruiz Barbosa merece os elogios pelo ataque da Guarda do Salço: o Illmo. Senhor Capitão Porteli da Legião, patrulhou o Campo de Chui, e fez precepitar no mesmo Arroio o insurgente Sáes abandonando a espada e ponxe, e apenas com muito custo salva a vida. O Alferes de Milicias Ignacio Feliz Feijó mostrou-se muito valorozo no avance do porto do Triguito. O Capitão João marques de Souza Prates foi rezoluto no Arredondo. O Tenente do Batalhão Ignacio José da Roxa comportou-se no mesmo lugar guapamente. Finalmente todos os Senhores Oficiaes tem direito soa meus elogios, e agradecimentos pelas suas particulares obrigaçõens: Com todos distribúo cordealmente a boa opinião que tenho merecido dos meus Superiores; os seus auxilios, e o seus acertados Conselhos me tem servido em todas as occazioens.
Saudemos pois ao nosso Augusto Soberano: Saudemos aos nossos estimaveis, e sabios Generaes, e entoemos/entoamos em onra de todos o Himno Nacional desta primeira valente Divizão.

Acampamento do Serro Largo[,] 10 de Settembro de 1816

Feliz Jozé de Mattos Pereira de Castro, Cor.el Com.e Interino»