quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Combate de Sauce ou Mata Ojo: 8 de dezembro de 1816



Apesar da vitória em India Muerta, pouco mais de duas semanas antes, os portugueses eram relembrados que estavam num país inimigo. Em Pablo Páez e Sauce, no espaço de quatro dias, em duas derrotas seguidas, por pequenas que tenham sido em termos de dimensão, os portugueses sofrem por volta de 85 mortos, divididos equitativamente entre forças dos Exércitos de Portugal (46) e do Brasil (39).  

Estes dois combates trazem à evidência que as forças portuguesas não podem atuar impunemente com destacamentos de baixos efectivos isoladas em território oriental, em simples missões de recolha de gado (caso de Sauce) ou de vanguarda (caso de Pablo Páez). São também o resultado da adaptação das forças federais na área, orientando-se para a guerrilha e para este tipo de contacto.

Com cerca de 80 baixas, entre mortos, feridos e prisioneiros, os portugueses tiveram mais baixas em Sauce, que em India Muerta, uma ação três vezes maior, com 60 baixas, entre mortos e feridos. Só perde para Catalán, a maior batalha desta campanha, a 4 de janeiro de 1817, com 134 baixas, mas envolvendo esta última pelo menos cinco vezes mais homens de ambos os lados.

O Combate

Tratando-se de uma derrota com pesadas baixas, não há muita informação oficial disponível. Mesmo nas fontes orientais se verifica que a vitória levanta o moral, mas não altera as condições gerais da campanha. Em San Carlos e Maldonado, a Divisão de Voluntários Reais amassa-se, preparando-se para recomeçar a marcha para Montevidéu, o prémio. A 15, já toda a Divisão estará junta en Pan de Azucar, a pouco mais de um mês de entrar triunfalmente em Montevidéu.

As Visões

Encontrei quatro fontes. A primeira é a do já nosso velho conhecido, o tenente João da Cunha Lobo Barreto, do 2.º Batalhão de Caçadores da Divisão, que estava na Vanguarda e assim dos mais próximos aos acontecimentos. As memórias são escritas pelo menos várias décadas após os factos, mas valem pelo pormenor e as perspetivas de um oficial subalterno, muito crítico dos comandos e da disciplina.

As outras três são cartas, publicadas no precisiosíssimo Archivo Artigas, um exemplo de mérito de publicação de acervos documentais.

A primeira, portuguesa, mais detalhada, é uma carta do major Manoel Marques de Sousa ao pai, homónimo, tenente general comandante da fronteira do Jaguarão. O major Marques de Sousa não participou no combate, mas foi na coluna de alívio, no dia seguinte. O facto de comandar os dois esquadrões da capitania do Rio Grande, inseridos na vanguarda da Divisão, ilumina grandemente acerca do que aconteceu nos dias 7 e 8.

As outras duas são fontes orientais, uma, primeira, de José Cantera a Frutuoso Rivera, no dia a seguir ao combate. Cantera, comandante interino de milícias de Maldonado, participou na ação. Refere-se muito de leve à ação e indica que Venancio Gutierrez, o comandante oriental, mais diria sobre o que se passou.
Por último, uma descrição oriental mais ampla, numa carta de Manuel de Figueredo ao delegado Miguel Barreiro, chefe político da Banda oriental. Adicionalmente a alguma informação acerca do combate de Sauce, Figueredo completa a sua carta a Barreiro informando das movimentações portuguesas, alguns quilómetros mais a leste.

***


Documento I: Carta que o Sargento mor Manoel Marques de Souza escreveo a seu Pay o Tenente General Manoel Marques de Souza.

San Carlos, 17 de Dezembro de 1816.

III. e Ex. Sñr. Meu Pay e Senhor do meu maior respecto.

As ultimas Cartas que recebi de VEx., foraõ as duas de 27, e 30 do pasado, que me entregou o Ex.mo  Sñr Lecor quando aqui xegou, creio que o Ten.e Jacinto Pinto que foi prizioneiro ao sahir de Roxa por huma Partida inimiga com toda a sua cometiva me traria cartas de VEx.°, que hoje estaraõ em poder de Fortuozo Ribeiro, e naõ duvido que esta tinha a mesma sorte, porem por muitas que pilhe nunca se podera desforsar, avendo perdido na ruda [...] toda a sua correspondencia.  Depois que escrevi a VEx." a adejunta que naõ tem sieguido athe a gira por imbarasos sofremos hum prejuizo bastante considerabel.

Ja tinhamos como dise a V Ex.ª huma Partida de guerrillas de 40 Homens do Pais de baixo do Comando de Joaõ Mendousa, que V Ex.ª conhese de Maldonado, a quem se avia dado o Exercisio da sua Patente de Capitaõ que tinha por El-Rey, este homem que se ofereseo com tanto gosto, dentro em 4 dias munio os d.° 40 homens, e foi a postar com elles no Paso do Saffo [Não encontrei tal passo ou arroio, podendo ser transcrição errada: referir-se-á ao Paso de Sauce?].

Na estrada de Pan de Azucar, de cujo lugar participou que na Serra de Mata Ojo (tres legoas destantes deste lugar) andava huma Partida inimiga de 60 homens, e que tinha muita Cavalhada; 
/ e pedia que q. S Ex. o S. Ajud. General [marechal de campo Sebastião Pinto de Araújo Correia], julgase conveniente lhe manda-se hum reforzo para lhe hir tomar a Cavalhada: 

[7 de Dezembro, noite]
/ em consequência disto mandou S. Ex.ª sahir na noite do 7 do corr. hum Esquadraõ composto de prasas da Devizaõ, e dos Esquadróes de S Paulo de baixo do Comando do Capitaõ Sequeira [sic] [José Maria de Cerqueira] da Divizam, em numero de cento e tantas prasas, e os Vaquianos.

[8 de Dezembro, 02:00 H]
Às duas horas da noite foi o dito Capitão informado que haviam reunido as Partidas inimigas, 
[08:00 H]
/ Às oito da  manha tomaraõ 400 Cavalos que so tinhaõ quatro ou sinco pesoas que os guardavaõ, e sem examinar a forsa do Inimigo, seguem para diante; 

[10:00 H]
AS DEZ tomaraõ mais alguma Cavalhada, e pouco depois foi o Capitaõ informado que hia a ser atacado por trez Colunas e podendo [...] retirar-se, tem a temeridade de atacar [...]. O Corpo a que atacou deu sua descarga e fugio a Carga os de Mendousa [Juan Mendoza] que formavaõ a testa da Coluna de badaõ [?], e vem procurar os nosos que os desconheseraõ, e os repucháo inimigos; entaõ entrou a Confuzaõ e dezordem, e Consequentem. cada hum fez o que quiz, pois o Capitaõ nada dispunha: 
/ Os Corpos da Esquerda voltearam logo os nosos, e dentro em pouco tempo se viram sercados. 
/ Os nosos Soldados rezistiram como dezesperados, apezar de não tirem quem os guiase, e perferiram a morte a ser prezioneiros. 
/ Ouve hum fogo por mais de duas oras, e huma legoa de Campo ficou coberto de Corpos. Apezar de ser a destancia de quatro legoas ouviam-se aqui destante m.o as descargas;  

Sahio logo reforzo, porem no Caminho, soube que avia sido a nosa Partida inteiram. destrosada, por huma forsa de 500, a 600 Homens.  

[9 de Dezembro]
No dia 9 fomos em ssoma ao Campo e inda podemos recolher doze ou treze feridos, nove dos quaes tinha deixado em huma Caza e demos a Sepultura os mortos que exsediaõ de 50 em cujo numero entram 26 da Legiaõ de S. Paulo, finalm. o noso prejuizo anda por 80 mortos digo por 80 entre mortos e prezioneiros, e so se escapou o Capitaõ Sequeira [Cerqueira], o Tenente Pedro de Castro, 13 ou 14 Soldados.

Os Vaqueanos e os da Partida de Mendousa dos quais so morréo o dito Mendousa e trez Soldados Exaqui o disgrasado suceso do dia 8 do Corr.°, e do qual eu ainda naõ me poso lembrar sem chorar a perda dos meus Camaradas, que morreraõ chamando  por  mim  q' os  Socorrese, pela confiansa que de mim faziaõ por estar guiado em todas as ocazióes que temos batido ao inimigo com felicid.e, devido todo a sua Sobordinasaõ e Valor. Foraõ prezioneiros trez  Alf., sendo hum deles o da Legião de S. Paulo Francisco Rodrigues Modesto, faltaraõ táo bem os dois Furreis que naõ se axaraõ mortos que saõ Joaõ  Nepomuceno, e Luis  Moreira.  

[...]

P.S. Esquesia me dizer que os inimigos levaraõ duas Carretas com os seus mortos e feridos & = Marques

***

Documento II: Memórias do tenente João Cunha de Lobo Barreto

[...]

A derrota que o inimigo soffreo [India Muerta, a 19 de novembro], e as notícias que vagavão de que só tinha reunido uma pequena força nas Minas, causou a estas tropas grande confiança, que sempre costuma trazer comsigo temeridade, ou relaxação no serviço. A estrada de Maldonado, a duas leguas (c. 12,2 km) de S. Carlos, era frequentada de dia e de noite sem o menor receio; os forrageadores se alongavão do campo com pouca, ou nenhuma escolta e menos cautela; porem um desastre veio certificar-nos que estavamos em paiz inimigo; o Capitão Siqueira [Cerqueira] de cavallaria da Divisão, com uma partida de cento e tantos homens foi mandado ao Sauce, de ali um dia de marcha a buscar uma cavalhada, com ordem positiva de se retirar, o caso de ser ameaçado por força superior; avisado por nossos bombeiros de que uma grande partida inimiga o procurava, insistio aquelle Commandante em a esperar, dizendo – que lhes queria primeiro ver as caras – do que resultou ser surprehendido e derrotado, salvando-se somente elle, um sargento e dous soldados, o resto forão mortos, ou prisioneiros. Este official respondeu a Conselho de Guerra em que foi absolvido, segundo o costume de semlhantes Tribunaes, as mais das vezes benevolos.

A noticia deste acontecimento fez grande impressão no nosso acampamento; e quase toda a Divisão se pôz em marcha sobre aquelle ponto; porem a pouca distancia constando de que o inimigo se tinha retirado, voltamos ao nosso acampamento, havendo de ali em diante mais vigilancia e cautella nos postos avançados.

[...]

página 11 - Leia aqui completo

Documento III: Carta de José Cantera a Fructuoso Rivera.  

/Costas del Mataojo de Solis 9 de Dbre de 1816

Participo a Vmd, como me he retirado al punto del Mataojo p.r hallarme sin ningunas municiones p.r q.e las pocas q.° tenia ayer en el ataque se acabaron, y amas q .e  el paisano Figueredo me havia dado unos siete paquetes q.e nos han servido mucho: y asi me hará Vmd, la gracia de mandarme quarenta o Cincuenta paquetes p.a poderme acercar alas Inmediaciones del Sauce p.a estar mas á la vista de los Enemigos; y Juntam.te me hara Vmd,  la gracia de mandarme a mi Ermano y al negro q.e me hacen Notable falta.

De la acion no le digo a Vmd mas q.e hacido muy feliz pues el paisano Benancio [Venâncio Gutiérrez, o comandante oriental] le habra Escrito todo lo p.r menor: yo creo q.e el enemigo habra quedado bien escarmentado con la noticia de alguno de los q.e se escaparon q.e estos fueron bien pocos p.r q.e los paisanos se  llenaron de darle de Comer a los Corvos.

Estos dias pasados se me havian desertados algunos Individuos de mi partida y Cansados de andar de Serro, en Serro, se presentaron al paisano Figueredo lo qual cuando lo supe q.e estavan con el los reclamé como pertenecientes a mi y el  se a echo el fuerte con palabras de buena crianza y yo como no trato de Yndisponerme con ningun Compañero los e dejado hasta avisar a Vmd, y así si halla Vmd avíen q.e estos vuelvan adonde les pertenece puede Vmd, oficiarle p.a  q.e me los entriege p.r q.e de lo Contrario todos los dias se hiran y quando les peresca se le presentaran el q.e saven q.e no les hade hacer nada y es preciso no ser tan bueno p.r q.e de lo contrario estos hombres no se sujetaran en parte ninguna.

Con los prisioneros q.e lleva D. Benancio ba un americano hijo de Mald. el qual conosco yo p.r un hombre de bien y este o p.r consejos de sus padres ó a la Fuerza tomó las armas entre los Enemigos y los paisanos q.e estan Conmigo han benido asuplicarme p.a q.e le hable a Vmd, Y tenga la bondad de darle livertad p.a q.e benga a tornar las armas a favor de nuestra Causa pues yo creo q.e el esta muy arrepentido de haverse que dado en su casa creido q.e no lo harían servir y así espero en la generosidad de Vmd, Si lo halla a vien el q.e me lo remita p.a estar ami lado y no creo q.e la piedad de Vmd se niege a las Suplicas de sus Subditos q.e tanto se han empeñado con migo p.a  q.e en Nombre de todos á Vmd Suplique.

Josef Cantera
(Com. Ynt. de  Milicias  Departam. de Mald.)

***

Documento IV. Carta de Manuel de Figueredo a Miguel Barreiro

Pan de Azúcar, 11 de diciembre de 1816

/Ex. S.r

Hoi dia de la fha. he tenido el honor de la contesta de VE.ª fha. 9. del q. rije. y en cumplim. de participarle, con extencion lo ocurrido el dia 8 solo puedo explanarme: q. por D. Paulino Pimienta q.e se hallo en dho ataque, y algunos otros individuos, q. tambien ocurrieron; dicen q.e el numero de los enemigos era de ciento sinco hombres, de los cuales fueron 24 prisioneros inclusive 3 oficiales, haviendo de este numero algunos heridos; otros pocos q.e escaparon con la caballada, y los demas asta dho. completo muertos y heridos, 

/ al siguiente dia 9, se presento en dho. campo a recojer sus despojos, enterrar muertos, y conducir heridos. El numero como de 400, ó mas hombres, á Juicio de prudentes, estos luego q. evacuaron, se retiraron sin intermision p.° su destino.

En quanto VE.° me encarga la inspeccion de los movimientos adversarios puede estar cerciorado q. velo, sin intermision, pues la conducta de los enemigos es mui sigilosa, pero como estoi empapado en ella, trato de operar en los mismos terminos a fin de no quedar ilusorio.

He hadquirido noticia q el vnico campam. q.° existe en Maldonado, esta situado en la Igl.° nueba, y q.° ascendera a 400 hombres, y q.e estos han retirado los cañones q. tenian en las baterias de afuera; y q.°en S. Carlos hay dos campamentos pequeños; ygnoramos si hai mas resfuerzo por adentro, pues no biene nadie de aquellos lados q., nos puedan instruir.

Puede V E.° estar con la certidumbre q.r de lo menor le dare oportuno aviso, como igualmente de q su mas humilde y leal subdito desea ordenes de su agrado, para en su cumplim. demonstrarte su verdadero Patriotismo.

Dios Gue. a V.E. m.  a.  
Pan  de  Azocar  11 de  Dic.  de 1816
Manuel de Figueredo
S.° Delegado D. Mig. Barreyro.

Ordem de Batalha

Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

I. Cavalaria, Divisão de Voluntários Reais & Legião de Tropas Ligeiras (São Paulo)
Capitão José Maria de Cerqueira (comandante da 10.ª companhia)
(homens das 3.ª, 4.ª, 6.ª, 10.ª e 12.ª companhias)
II. Milícias Orientais ao serviço português
Capitão Juan Mendoza (40 homens, cavalaria)

Efetivos: Manuel de Figueredo fala de 105 homens, mas o número exato é dificil de encontrar, estando na cercania de 110, todos de cavalaria. Apenas os 40 das milícias comandadas por Juan Mendoza parece ser preciso. 

Marques de Sousa permite-nos chegar o mais perto indicando que houve cerca de 80 baixas e que apenas 15 ou 16 homens conseguiram escapar. Assim chegamos a um número entre 105 e 110.

Liga dos Povos Livres

Comandante, Venancio Gutiérrez

Efetivos: Sousa fala de 500 a 600 orientais em 3 colunas. Apesar deste memorialista não costumar exagerar, de facto ele não esteve presente na ação e pode-se presumir um certo exagero. 

Era constituída por alguma tropa de linha, mas fundamentalmente milícias orientais a cavalo da área de Maldonado, Pan de Azucar até Montevidéu.
Mais importante, muitos deste homens participaram na batalha de India Muerta e beneficiaram das lições aprendidas, atuando agora como forças de guerrilha, atacando inesperadamente sobre forças portuguesas fracas ou dispersas. O comandante oriental, Venancio Guitierrez, é bom lembrar, foi o comandante da ala esquerda oriental em India Muerta.

Baixas portuguesas

O número de baixas das forças portuguesas é também dificil de definir, apesar de isso ser relativamente normal na questão das baixas. Apenas o n.º de 26 mortos da Legião de Tropas Ligeiras de S. Paulo é dado, assim como os 4 mortos das milícias orientais de Mendoza, sendo tudo o resto baseado em cálculos sobre o que Marques de Sousa escreveu na sua carta.

“mortos que exsediaõ de 50 em cujo numero entram 26 da Legiaõ de S. Paulo”
Mais de 50 mortos: LSP, 26 (Of +Pç)
c.80 baixas, entre mortos, feridos e desaparecidos
Milícias+Vaqueanos: 1 oficial (cap. Mendonça) + 3 praças
DVR: cerca de 20 mortos.

Manuel de Figueredo especifica, da parte oriental, que foram feitos 24 prisioneiros portugueses, incluíndo três oficiais.

ADENDA
Relação dos prisioneiros Portuguezes, que no dia 17 de maio [de 1817] tão gloriosamente se libertarão e que foram originalmente capturados no combate de Sauce:

Cavalaria, DVR:
Francisco António da Silva, Alferes da 4.ª companhia, prisioneiro em Mata-ojo em 8 de Dezembro de 1816, em attaque
Vicente Ferreira Brandão, Alferes da 10.ª companhia, idem
Manuel Coelho, Furriel da 6.ª companhia, idem
José Manoel, soldado da 3.ª companhia, idem
Manoel Ventura, dito, dito, idem
José Cardoso,  dito da 4.ª companhia, idem
Antonio Rodrigues, dito, dito, idem
José Procópio, dito, dito, idem
Domingos Rodrigues Villarinhos, dito da 10.ª companhia, idem
José Garcia, dito da 12.ª companhia, idem
Antonio Valles, dito, dito, idem
Antonio Braz, dito, dito, idem

A grande fuga é uma outra história, para outra altura. 33 militares portugueses escapam do cativeiro junto dio rio Uruguai e conseguem chegar a Montevidéu, via Buenos Aires.

Fontes
- BARRETO, João da Cunha Lobo, “Apontamentos historicos a respeito dos movimentos e ataques das forças do comando do general Carlos Frederico Lecor, quando se ocupou a Banda oriental do Rio da Prata desde 1816 até 1823 (…)”, in:Revista do IHGB, vol. 196, Julho-Setembro 1947, pp.4-68.
- Comisión Nacional Archivo Artigas, Archivo Artigas, Montevideo, Monteverde, tomo 31.


Imagem inicial: Atardecer laguna del sauce.jpg, in: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Atardecer_laguna_del_sauce.jpg

domingo, 4 de dezembro de 2016

Combate de Pablo Páez: 4 de dezembro de 1816


A Campanha e a Coluna do Centro

No Conselho de Guerra em Porto Alegre, a 20 de setembro, o marquês do Alegrete, Lecor e Silveira haviam decidido que a ofensiva portuguesa seria feita, pelo litoral, pela Divisão de Voluntários Reais, enquanto que as tropas do Rio Grande, a oeste, manteriam a defesa da fronteira e impediriam qualquer ocupação. Uma terceira coluna, no entanto, comandada pelo brigadeiro Bernardo da Silveira Pinto, e constituída por uma força projetada de 2000 homens do Rio Grande, avançaria para oeste, em direção a Salto, o principal ponto de passagem entre a Banda Oriental e a província de Entre Rios, para cortar a comunicação pelo rio Uruguai.

No início do mês seguinte e tendo os generais portugueses já uma imagem mais nítida das posições e intenções de José Artigas, verificou-se que a missão de Silveira era impossível de concretizar. A 12 de outubro, o tenente general Lecor anuncia a Alegrete a mudança do plano original. Devido à falta de cavalos para remontar a cavalaria, Lecor decide que Silveira e a Coluna do Centro (face à da da Esquerda (Lecor e Pinto) e a da Direita (Curado e as tropas da Capitania do Rio Grande), marcharia paralelamente à força principal, pelo interior, em direção a Montevidéu:

[...] do Cerro Largo pela estrada da Coxila a Montevideo, de maneira que sempre se possa comunicar comigo, [...] ao mesmo tempo o meu flanco, e dominando o paiz. (Lecor, 12.10.1816, AA)

Antecedentes


22 de Novembro

Três dias depois da batalha de India Muerta, 150 km a sudeste (e que de cuja vitória Silveira só terá conhecimento no dia 1 de Dezembro), a Coluna do Centro começa finalmente a sua marcha de Cerro Largo (Melo), parando, ainda assim,desde logo 3 dias no arroio de Conventos, a pouca distância da vila de Melo, à espera das carretas com bolacha que vinham da fronteira, pela guarda do Cerrito. O seu objetivo final era Minas, 250 km a sul, com Fernando Otorgués e a 1.ª división oriental em oposição. 

26 de Novembro

O brigadeiro Silveira começa verdadeiramente as operações do Centro, que muito vieram a contribuir – numa análise geral da campanha - para ocupar as forças orientais na área, Rivera e Fernando Otorgués (na imagem), e criar confusão sobre as movimentações portuguesas na área. Silveira destaca dois corpos, um de 200 homens, de forças da capitania do Rio Grande, sob o comando do tenente coronel [Manuel Xavier de] Paiva [Magalhães], para nordeste, sobre o passo de Mansangano, e outro, com a cavalaria da DVR e comandada pelo tenente coronel Pessanha, para sudoeste, na direção de Fraile Muerto, onde se julgava estar Otorgués.

Julguei conveniente destacar estes dous Corpos não só para pôr o Inimigo em confuzão, sobre a direcção que eu devia seguir, e evitar que na minha Retaguarda ficassem Partidas enfestando o Paiz; mas tambem para cortar algumas Cavalhadas de que tenho a maior precizão, e ao mesmo tempo atacar o flanco e Retaguarda de Ortuguez [Otorgues] quando elle se rezolvese a esperar. (Silveira, 5.12.1816, AA)



A Batalha

Os dois únicos testemunhos consultados, e até ver, os únicos que conheço em existência, são a parte oficial do brigadeiro Bernardo da Silveira Pinto ao tenente general Lecor, que apesar de não ter combatido na ação, chegou a ela horas depois, e do comandante oriental Fernando Otorgués, numa carta 4 dias depois, a Frutoso Rivera. Ambos os testemunhos são colocados em ordem cronológica imediata, truncando-os e misturando-os, de forma a oferecer a mais víviva descrição possível.

A 3 de dezembro, o segundo dos destacamentos criados por Silveira a 26 de novembro, um esquadrão de cavalaria da DVR e 150 milicanos de cavalaria do Rio Grande, totalizando 300 homens, avançou até o arroio de Pablo Paes, onde acampou. A força principal portuguesa vinha atrás, a algumas horas. 

Do outro lado do arroio, acampava também a divisão de Otorgués. O comandante oriental afirma até que “quasi haviamos dormido juntos con el enemigo”.

O tenente coronel Pessanha ao perceber da presença dos orientais e calculando-os em 300, possivelmente uma avançada de Otorgués, decidiu oferecer combate, atravessando o arroio e formando linha com a cavalaria da DVR nas alas e a cavalaria e infantaria do Rio Grande no centro.

Após algum fogo de infantaria, Pessanha ordena uma carga de cavalaria que arrola a linha oriental e lhes causa “considerável estrago”, resultando na morte do capitão Manuel Galeana e de quase todas as baixas do dia, para os dois lados. 

Pessanha estava de facto a engajar a retaguarda da divisão de Otorgués, de 300 homens, com os restantes 500, mais a sul, encobertos por forte névoa, a deslocar-se para o arroio em duas colunas. Ao perceber isto, e ao ver depois uma força à distância que presumiu poder também ser inimiga, Pessanha decide tocar a reunir e retira de volta pelo arroio. Na verdade, a última força avistada eram os atiradores da Coluna do Centro, de Silveira, que se aproximavam.

Assim se concluiu a breve batalha de Pablo Paes, prenunciando de certa forma os graves problemas de comunicações que a Coluna do Centro terá, até chegar a Pan de Azucar, a 13 de janeiro, onde se reúne ao resto da DVR. 

Seguem os testemunhos de Pablo Paes:

3 de Dezembro, noite

El dia Tres me hallava campado en los Campos de Duran, y tuve parte que el enemigo seme venia ensima ato que tuve avien el rretirarme ala Isquierda. afin de atacarlos  Porla rretagua, llegue aquella misma noche a Pablo Pay. (Otorgués)

O Tenente Coronel Pessanha marchou na direcção que lhe foi indicada sem encontrar novidade athe o arroio de Pablo Paes onde tambem chegou na noite do dia 3: (Silveira, 5.12.1816, AA)

4 de Dezembro, madrugada

y llegado el dia vimos que quasi haviamos dormido juntos con el enemigo (Otorgués)

Na madrugada do dia seguinte descobrio na essa frente do outro lado do Arroio o Inimigo, que ali tinha chegado na mesma noute, e parecendo-lhe em força de 300 homens rezolveo atacalo; [pelas informarções que elle [Pessanha] me da o Inimigo aprezentou huma força de mais de 800 homens, tendo sido favorecido por huma Nevoa bastante espessa para a encobrir] (Silveira, 5.12.1816, AA)

[linha portuguesa]
/ atravessou o Arroio, formou na sua frente colocando a Cavallaria de V. Reaes nos flancos, e os Destacamentos das Tropas do Continente no  Centro:  
[linha oriental]
/ o Inimigo aprezentou a sua linha em ordem extrema, e principiou hum  fogo muito bem surtido: o Ten. Coronel depois de algum tiroteio de Infanteria carregou com a Cavallaria de V. Reaes, arrolou toda a linha Inimiga fazendo lhe consideravel estrago; (Silveira, 5.12.1816, AA)

ellos me atacaron por la rretagua, y mi vangüa p.r hallarse distante no se halló en la adcion / yó les presenté la Batalla con mi Gente de rretagua y querpo de rreserva, quedando el campo por mio haviendo rrecivido el enemigo bastante daño: vyó precipitadamente (Otorgués)
[Pessanha confunde atiradores de Silveira com inimigo e retira]
/ vendo porem aparecer pela Retaguarda do Inimigo huma Columna de mais de 200 homens de Cavallaria,  / outra pela ezquerda ameaçando o seu flanco direito,  
/ ao mesmo tempo que pelo seu flanco ezquerdo em maior distancia apareciam os meus atiradores, e que elle não pode então reconhecer, e supoz serem Inimigos tendo alem disso junto a forças tão consideravelmente superiores,  
/ mandou tocar a Reunir, e Repassou o referido Arroio de Pablo Paes, abandonando o Campo do Combate, onde tinha alcançado vantagens consideraveis,

[Pessanha percebe o erro]
/ e foi só depois de o ter passado, e de estar hum pouco preplexo sobre a Rezolução que havia de tomár, que elle reconheceo os meus Atiradores, e a vanguarda da minha Columna.
O Inimigo não se adiantou mais do que á linha dos seus Atiradores, e logo que avistou os meus ao longe, principiou a Retirar-se com precipitação, teve todavia tempo para assacinar barbaramente os  nossos feridos, que tinham ficado no Campo.

4 de Dezembro, 12 horas

Seria pela volta do meio dia quando eu cheguei á vista do Arroio Pablo Paes, e como então o Inimigo hia já em Retirada, e me levasse de dianteira muito mais de huma legoa [c. 6,6 km], o dia estivesse mui quente, a tropa, e os Cavallos fatigados pela violencia da marcha de mais de sinco legoas, que tinhamos feito naquelle dia, não era possivel podermos alcançar o Inimigo, que nos leva grande ventagem em ligereza pela falta de bagagem; mandei em consequencia reunir o Ten. Coronel Pessanha, e vem Acampar neste Sitio do Passo do Cordovez.
pelas informarções que elle me da o Inimigo aprezentou huma força de mais de 800  homens, tendo sido favorecido por huma Nevoa bastante espessa para a encobrir; defenden-se, e batense com bastante  pertinacia, e mostrou mais ordem do que se dizia, o Ten. Coronel portou-se com muita bravura, e se pelas circunstancias q. tenho referido se vio obrigado a abandonar as vantagens que tinha alcançado naó pode por isso ser creminado. O 1° Esquadrão de Voluntarios Reaes, que entrou em Acção conduzio-se muito bem, e da mesma forma o Destacamento do Batalhão do Rio Grande, e a Companhia de Guerrilhas. (Silveira, 5.12.1816, AA)
* * *
yo he tenido de perdida entre muertos y heridos veynte yncluso entre ellos al Capitan D.n Man[ue]l Galeana (Otorgués)
* * * 



Biografias

Baixas portuguesas



PABLO PAES (4/12)

MORTOS
FERIDOS
Ação
OFICIAIS
PRAÇAS
OFICIAIS
PRAÇAS
Bat Rio Grande
0
5
1
5
Milícias
0
6
0
0
Guerrilhas
0
2
0
2
DVR, Cav
0
22
1
6
TOTAL
0
35
2
7



Ordem de Batalha

COLUNA DO CENTRO
Brigadeiro Bernardo da Silveira Pinto
2 esquadrões, Legião de Voluntários do Rio Grande
Destacamento, Batalhão de Infantaria e Artilharia do Rio Grande
2 companhias de infantaria (DVR), maj José Pedro de Mello
Cavalaria (DVR), tenente coronel António Manuel de Almeida Morais Pessanha
coronel Antonio Feliciano Telles de Castro e Aparicio
Companhia de Guerrilhas
alguns Melicianos da  Fronteira do Rio Grande e huma Bateria de quatro Peças de Calibre 6. de Artilharia da Corte

Na ação participaram:
Comandando o tenente coronel António Manuel de Almeida Morais Pessanha 
- 1 esquadrão de cavalaria (c. 150 homens)
- 150 cavaleiros da Legião de Voluntários do Rio Grande e Guerrilhas, assim como infantaria do Batalhão de Infantaria e Artilharia do Rio Grande), num total de cerca de 300 homens.

1.ª DIVISIÓN (Liga dos Povos Livres)
Coronel Fernando Otorgués
c. 800 efetivos


Apenas 300 (a retaguarda e o corpo de reserva, de acordo com Otorgués) entram na ação.


Fontes

- Comisión Nacional Archivo Artigas, Archivo Artigas, Montevideo, Monteverde, tomo 31.

Imagem inicial: An old cart in front of Posta del Chuy, Melo, Uruguay (2007) in: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Posta_Chuy_%2B_carreta.JPG