sábado, 14 de janeiro de 2017

Reunião: Pan de Azúcar, 15 de Janeiro de 1817


A 15 de Janeiro de 1817, toda a Divisão de Voluntários Reais se reúne finalmente em Pan de Azúcar, a 90 quilómetros de Montevidéu, sob o comando do tenente general Carlos Frederico Lecor. O general em chefe chega à povoação nesse dia, vindo de San Carlos. 

A coluna do Centro, comandada pelo brigadeiro Bernardo da Silveira Pinto, já lá estava desde o dia 13. Havia marchado, forte de 950 homens, pelo interior desde Melo, no Cerro Largo, permanentemente acossado pela divisão de Frutoso Rivera, especialmente em Cassupá, nos últimos dez dias de 1816, e no passo do arroio Santa Lucia, à entrada de vila de Minas. Silveira teve grandes dificuldades durante a marcha em comunicar com Lecor, à sua esquerda, o que permitiu a Rivera assediá-lo quase permanentemente, enquanto Silveira marcava passo, procurando ligar-se de novo, enquanto cumpria o seu papel de coluna flanqueadora, atraindo sobre si a atenção de Rivera e Otorgués, este último já lhes tendo cortado a retaguarda, como veremos.

Conforme já indicámos em postagens anteriores, Rivera estava a empregar táticas de guerrilha, atacando onde praticável e rapidamente retirando. Após a derrota em India Muerta, o comandante oriental perdeu a capacidade de tentar uma nova ação campal, pelo que fustigava a força de Silveira e a sua linha de abastecimento. 
A 8 de janeiro, o tenente coronel Vicente da Fonseca indica que tanto a vila de Melo como o forte de Santa Teresa haviam sido reocupados por Otorgués e Rivera respetivamente, pelo que a retaguarda desta coluna estava cortada das forças além da fronteira do Jaguarão e de Chuí, a sul da vila do Rio Grande.

O único caminho era o de Montevidéu e a estrada estava aberta. 


A Grande Reunião em Pan de Azucar

“Marchei de S. Carlos no dia 14, tendo dado ordem ao Exc. Conde de Viana, commandante da Esquadra de Sua Majestade para ir com os navios efectuar o desembarque da artilharia grossa, o Trem do sítio na Praia de Buceo [cerca de 6 km a leste de Montevidéu], e estreitar o bloqueio do porto de Montevidéu; e feito previamente um movimento da colunna do comando do Brigadeiro[Bernardo da] Silveira [Pinto] de Minas para Pan de Azúcar, pude iludir o innimigo com esta marcha a respeito do avançamento das outras três colunas do comando dos generais  Pinto,  Avilez e Pizarro, com as quais cheguei no dia 15 ao Campo do Pan de Azúcar[...].”(Carlos Frederico Lecor, 27 de janeiro)

Para percebermos o impacto deste dia, que hoje faz 200 anos, no povoado de Pán de Azucar, marcado geologicamente por um serro visível a grande distância de qualquer lado, é necessário numerar as forças presentes nesse dia.

Cerca de 950 homens da Coluna do Centro, comandados pelo brigadeiro Silveira, já a eles me referi, com 4 esquadrões de cavalaria da DVR, 2 companhias de infantaria assim como a Legião de Voluntários do Rio Grande (cavalaria), Batalhão de Infantaria e Artilharia do Rio Grande e uma bataria de artilharia a cavalo da Corte (Rio de Janeiro) (vide Ordem de Batalha).

Com Lecor, chegam também neste dia as colunas restantes que vieram por Santa Teresa e Castillos: 

- A Vanguarda, vitoriosa em India Muerta, comandanda pelo marechal de campo (hoje, major general ou general de divisão) Sebastião Pinto de Araújo Correia, com cerca de 800 homens;
- A 1.ª Brigada de Voluntários Reais, comandada pelo brigadeiro Jorge de Avillez Zuzarte Ferreira de Sousa, apenas com 3 companhias destacadas na Vanguarda - uma de caçadores e duas de granadeiros (do 1.º Regimento de Infantaria), totalizando cerca de 1500 homens.
- E a 2.ª Brigada de Voluntários Reais, sem as mesmas companhias que a 1.ª, comandada pelo brigadeiro Francisco Homem de Magalhães Quevedo Pizarro, também com cerca de 1500 homens.

Estavam em Pan de Azucar cerca de 5000 militares de todas as armas, toda a Divisão de Voluntários Reais, unida pela primeira vez desde que embarcaram na Praia Grande (hoje, Niterói) no já distante junho de 1816, retratado por Debret.
Uma significativa porção desta força eram tropas da Capitania do Rio Grande, nomeadamente do comando da Fronteira do Jaguarão, do tenente general Manoel Marques de Sousa (este general, baseado na Vila do Rio Grande, tem inclusive o filho, major com o mesmo nome, a comandar dois esquadrões, uma da Legião do Rio Grande e outra da Legião de São Paulo, adstritos à Vanguarda)

Alguma artilharia, nomeadamente o trem de sítio, estava embarcada ainda, e seria desembarcada numa praia mais próxima de Montevidéu (Buceo). A Marinha não estava ociosa; a esquadra de apoio e transporte à DVR, do Chefe de Divisão Rodrigo José Ferreira Lobo, bloqueava já os portos de Montevidéu e Colónia, enquanto a divisão naval ligeira do Capitão de mar e guerra Conde de Viana [D. João Manuel  de Meneses] colaborava no esforço final para chegar a Montevidéu, antes de navegar para o rio Uruguai para cumprir a sua missão principal de atuar no enorme e importantíssimo rio, contrariando as várias batarias fixas orientais assim como a marinha oriental de Yusto Negros.

Cerro de Pan de Azúcar

Que General era Lecor?

Montevidéu está apenas a 2 dias de marcha, mas Lecor mobiliza todos os recursos para obter o prémio final, se possível sem recorrer a operações de sítio e combate. Esta é a natureza e o estilo de Lecor enquanto general, procurando sempre a via menos gravosa se possível, preservando a sua força. Alguns anos depois, na primeira fase da Guerra da Cisplatina, em 1825/6, Lecor foi apelidado de o segundo Fabio Cuntactor, o general romando que defrontou Aníbal, negando-lhe uma ação geral e preservando o seu exército. É notório que Lecor assimilou muito bem a influência de Wellington entre 1809 e 1814, e a importância do abastecimento e fundamentalmente uma preocupação com os homens, a sua mais importante “ferramenta”. 
Lecor é um general prudente e político, seja ofensivamente, com 5000 homens de Portugal e do Brasil, perante uma oposição oriental quase inexistente, como a situação que completa hoje 200 anos, seja, anos depois, na defensiva em 1826 após um péssimo 1825. Muitos dos seus subordinados, entre eles o coronel Saldanha, consideravam-no pouco dinâmico.

Na verdade, Lecor, mais do que o General em Chefe da DVR, era o Capitão Geral da província a haver, a Banda Oriental. Lecor era um general político, pois era de facto, e ao mesmo tempo, um general e um político. Não é de supor que o melhor fosse, na sua mente, antagonizar a sociedade civil que pretende governar em nome de D. João VI. Conforme já mostrámos noutras postagens, o exército oriental, nas várias divisões em operações na Banda Oriental (Artigas, Otorgués e Rivera) era composto por uma maioria de milícias, filhos da mesma sociedade civil que referi, com relativamente poucas unidades de linha (e quase todas na divisão de José Artigas). Conforme o viu decerto Lecor, todas as oportunidades para mostrar que os portugueses não pretendem ser os opressores eram para ser tomadas, mostrando que a pacificação era o objetivo, apelando assim a toda a comunidade mercantil de Montevidéu e Colónia, competidores do porto de Buenos Aires.

O tenente de caçadores João da Cunha Lobo Barreto faz a destrinça entre a disposição de Lecor e a do seu número dois, o marechal de campo Sebastião Pinto de Araújo Correia, comandante da vanguarda:

Era na verdade um contraste remarcável: o General em Chefe, preenchendo os fins da sua missão, desenvolvia toda a indulgência para com estes habitantes; ao mesmo tempo que o seu Ajudante General só respirava terror e vingança contra os indivíduos que defendiam o jugo estrangeiro sempre odioso ao verdadeiro patriota.


As Fronteiras e a Ocupação Portuguesa da Banda Oriental

A ocupação portuguesa pretende, agora em 1817, fazer aquilo que não se chegou a fazer em 1811/1812, assumir o governo de Montevidéu e da Banda Oriental, não só para cumprir a fronteira ideal ou natural, na perspetiva portuguesa, o Rio da Prata, ainda que não de forma permanente a longo prazo, mas estabelecer uma zona tampão que impossibilite que o republicanismo oriental e platense verta para o Brasil, da forma em que o fazia desde 1814.

Estudando todas estas campanhas, se nota o carácter fluído da fronteira luso-espanhola, agora luso-rioplatense, que tanto flutua nas segunda metade do século XVIII. Apenas na década de 1770 é que a Vila do Rio Grande fica permanentemente em mãos portuguesas e o Rio Pardo, a "tranqueira invicta", é onde o Brasil acaba (em 1816, ambos povoados estão bem na retaguarda já, longe dos combates, com o Rio Pardo estreando a primeira rua calcetada do Rio Grande). Só em 1801, é que as Missões Ocidentais são tomadas por uma centena de cavaleiros locais, para serem, 15 anos depois defendidas por um general (brigadeiro Francisco das Chagas Santos) que iniciou a sua carreira como oficial de infantaria com exercício de engenharia na demarcação dos limites entre os dois impérios, em 1781. 

Este carácter fluído é vital para perceber a dinâmica militar em jogo. Enforma todas as guerras que aqui tomaram lugar entre portugueses e espanhois desde 1680. Um vasto território desabitado, mesmo em 1817, onde quase todas as atuais localidades, algumas bem importantes como Alegrete ou Santana do Livramento, não existiam ainda ou estavam na sua infância, por vezes meros acampamentos.

JOSE ARTIGAS, por Juan Manuel Blanes (1884), Wikicommons

Esfuerzos sobre Esfuerzos: Artigas

Em Purificación, junto ao rio Uruguai, próximo de Salto, José Artigas reflete e lamenta a derrota em Catalán, em carta de 13 de janeiro, ao seu delegado em Montevidéu, Miguel Barreiro: “hemos de hacer esfuerzos sobre esfuerzos”. Tudo ficava mais complicado após Catalán, que o impede de atuar operacionalmente no teatro mais a oeste, junto ao rio Quaraí e à fronteira. Impede-o de poder auxiliar as forças orientais no leste e remete-o a uma postura defensiva.

Ya empezamos a sentir  la escases de armamento con las perdidas conseguintes  a las acciones dadas. Yo me hallo aqui reuniendo de nuevo el Exército, y con esperanzas de haver una defensa vigorosa.

A iniciativa está agora quase totalmente com os 5000 portugueses e brasileiros sob Lecor, em Pan de Azúcar. Frutoso Rivera pode apenas beliscar as forças portuguesas, observando-as, verificando o seu avanço sobre a capital da Banda Oriental.




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BIOGRAFIAS
- tenente general Carlos Frederico Lecor

[ + Biografias  ]

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ORDEM DE ‘BATALHA’
Forças portuguesas estacionadas em Pan de Azúcar, a 15 de janeiro de 1817

Divisão de Voluntários Reais, Exército de Portugal
+ Tropas da Capitania do Rio Grande, Exército do Brasil

GENERAL EM CHEFE
Tenente general Carlos Frederico Lecor

COLUNA DA VANGUARDA
Marechal de campo Sebastião Pinto de Araújo Correia
Ajudante General da DVR

cerca de 800 efetivos.

- 2 esquadrões de Cavalaria, DVR
Batalhão provisório: 4 companhias de granadeiros, DVR
(tenente coronel António José Claudino Pimentel)
- 1 obús, calibre 3
(1.º tenente Gabriel António de Franco)
- 2 companhias de caçadores, DVR (uma de cada batalhão)
(sargento mor Jerónimo Pereira de Vasconcelos e sargento mor Andrew McGregor) 
- 2 esquadrões de cavalaria,  Legião de Voluntários do Rio Grande + 2 esq de cavalaria da Legião de Tropas Ligeiras (de São Paulo) 
(sargento mor Manoel Marques de Sousa)

COLUNA DO CENTRO
Brigadeiro Bernardo da Silveira Pinto
Quartel Mestre General da DVR

- 4 esquadrões de cavalaria, DVR (376 homens)
(Coronel António Feliciano Teles de Castro Aparício)
- Batalhão provisório de Infantaria DVR (194 homens, 2 companhias)
(sargento mor José Pedro de Mello, 1.º RI)
- Bataria, Companhia de Artilharia a Cavalo da Corte (65 homens)
(sargento mor Isidoro d’Almada e Castro)
- Legião de Voluntários do Rio Grande (120 homens)
- Batalhão de Infantaria e Artilharia do Rio Grande (206 homens)

1.ª BRIGADA DE VOLUNTÁRIOS REAIS
Brigadeiro Jorge de Avillez Zuzarte Ferreira de Sousa

1.º Regimento de Infantaria (c. 800 homens)
(coronel João Carlos de Saldanha de Oliveira e Daun )
1.º Batalhão de Caçadores (c. 600 homens)
(tenente coronel Manuel Jorge Rodrigues)

2.ª BRIGADA DE VOLUNTÁRIOS REAIS
Brigadeiro Jorge de Avillez Zuzarte Ferreira de Sousa

2.º Regimento de Infantaria (c. 800 homens)
(coronel Francisco de Paula de Azeredo)
2.º Batalhão de Caçadores (c. 600 homens)
(tenente coronel Francisco de Paula Rosado)

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Fontes
- BARRETO, João da Cunha Lobo, “Apontamentos historicos a respeito dos movimentos e ataques das forças do comando do general Carlos Frederico Lecor, quando se ocupou a Banda oriental do Rio da Prata desde 1816 até 1823 (…)”, in:Revista do IHGB, vol. 196, Julho-Setembro 1947, pp.4-68.
- DUARTE, Paulo de Queiroz, Lecor e a Cisplatina 1816-1828 ( 3 v.), Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1984.
- ARCHIVO ARTIGAS

Imagens
- Cima del Cerro Pan de Azucar.jpg in: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cima_del_Cerro_Pan_de_Azucar.jpg
- Cerro Pan de Azúcar Maldonado.JPG in: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cerro_Pan_de_Az%C3%BAcar_Maldonado.JPG

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