No dia 20 de Fevereiro de 1818, a fragata norte-americana "Congress" chegou ao largo de Montevideu, vinda do Rio de Janeiro. Nela viajava uma missão diplomática constituída por Caesar Augustus Rodney (1772-1824), John Graham (1774-1820) e Theodorick Bland (1776-1846), um conjunto de políticos e diplomatas americanos nomeados pelo então presidente James Monroe para uma missão especial à América do sul, que veio a receber o nome de Comissão Sul-Americana de 1817-1818. Tendo visitado o Rio de Janeiro, entre 29 de Janeiro e 9 de Fevereiro, onde assistiram às celebrações da aclamação do rei D. João VI, largaram depois com destino a Montevideu.
Henry Brackenridge |
A fragata chega a Montevideu a 20 de Fevereiro de 1818, pouco mais de um ano após a conquista de Montevidéu pelas forças portuguesas, e os seus membros partiram para Buenos Aires na manhã do dia 25. O pouco tempo em que estiveram na cidade permitiram que tenhamos hoje acesso, pelas palavras de Brackenridge, a elementos esclarecedores sobre o estado presente da cidade, assim como estado maior português.
No dia 22, visitou o quartel-general português.
No dia 23, participou num jantar com vários oficiais do estado maior português.
Da duas relativamente breves ocasiões, Henry Brackenridge oferece-nos um testemunho interessantíssimo do Montevideu ocupado, assim como do próprio capitão general Carlos Frederico Lecor.
Desde já aqui deixo os excertos que poderão ter mais relevância, traduzido da sua língua original por mim, mas deixo também ao fundo as ligações para o texto completo da edição de 1820, em inglês, e para uma reedição de 1924, escrita em espanhol:
[Montevideu 22 de Fevereiro de 1818]
“Dessa forma procedemos para os alojamentos do general português, que ocupam uma das maiores e melhores casas na cidade. Entrámos num pátio ou veranda espaçoso, com galerias a toda a volta, por uma guarda de tropas negras, com aspeto brilhante e gorduroso, vestidos com uniformes vistosos. Nestes países os negros são preferidos para guardas e sentinelas, perto dos oficiais de distinção.
Depois de passarmos por vários salas, cruzando-nos com sentinelas e oficiais de serviço, que exibiam perante nós a pompa e circunstância do estabelecimento de um grande chefe, entrámos numa sala onde fomos polidamente convidados a nos sentar.
Mal tivémos tempo de nos refazer das reflexões produzidas por isto, para nós, uma cena pouco usual, quando o general ele próprio fez a sua aparição, com a qual ficámos extremamente impressionados. Ele é uma figura notavelmente elegante, alto e erecto, com uma dignidade nativa sem afetação de maneiras. Tem para cima de 55 anos, a sua tez é demasiado clara para um português; de facto, soubemos depois que ele é de descendência flamenga. A personalidade deste oficial não contradiz a impressão favorável que a sua aparência é calculada a fazer. A sua reputação é a de um soldado bravo e honrado, e de um homem polido e altruísta. Pelo que todos dizem, no entanto, ele não é excluvivamente devedor destas suas boas qualidades, pela sua elevação de um baixa estação de vida. O Sr. Bland apresentou-se através do White, que atuou como intérprete, e, após alguma conversação, no qual apresentou os motivos da visita, aceitou um convite geral para jantar no dia seguinte, o general ao mesmo tempo da forma mais prestativa prometia os seus serviços.” (p. 45-46.)
“Há algo extremamente doloroso na contemplação de cenas de decadência rápida e recente. Os sofredores no caos e na desolação são trazidos a nós, e não podemos senão simpatizar com os seus infortúnios. Ruínas antigas estão associados com seres, que no devido curso da natureza e do tempo, há muito tempo teriam desaparecido de qualquer forma, mas nós inevitavelmente partilhamos as misérias dos nossos contemporâneos, onde estamos cercados pelos seus tristes memoriais. A cada passo eu encontrava algo que me despertava estas reflexões. Vestígios do mais rápido declínio desta cidade há tão pouco tempo florescente e populosa. As casas, na sua maioria, estavam a cair ou desocupadas, ruas inteiras estavam desabitadas com a exceção das casernas da soldadesca. Nas ruas mais frequentadas, poucos eram vistos senão soldados […]. Parecia haver poucos ou mesmo nenhuns negócios a decorrer, mesmo nas pulperias e lojas. A cidade, de facto, parecia ter recebido a visita de uma praga.” (p. 46)
[Montevideu 23 de Fevereiro de 1818]
“Por volta do meio dia, recebemos uma visita do general Lecor e entourage. Os seus oficiais falavam em geral bom inglês, provavelmente por terem servido com eles contra os franceses. Esta era entendida como uma visita de cerimónia. Às três horas, procedemos aos seus aposentos, de acordo com o convite. O comodoro [Arthur] Sinclair tinha inicialmente recusado, mas posteriormente, após um convite premente enviado pelo general, sentiu-se impelido a ir. […] Encontrámos um grande número de pessoas reunidas, todos eles oficiais portugueses de terra e mar, exceptuando um cavalheiro num fato de cidadão, que, fomos informados, era um agente de Buenos Aires, num qualquer negócio especial; ele parecia um homem inteligente e aguçado, e o seu fato preto simples formava um singular contraste com os esplêndidos uniformes, e cruzes, e medalhas dos oficiais portugueses. Os divertimentos foram os mais sumptuosos. Era, com efeito, um banquete, composto de tudo à laia de peixe, carne e caça, que possa ser imaginado, sendo seguido por toda a qualidade de frutas que tanto este mercado como o de Buenos Aires podem oferecer. Os nossos ouvidos eram ao mesmo tempo regalados com a mais doce música da banda do General. Muitos destes oficiais, particularmente os ajudantes do General, era notavelmente belos homens; Acontece que me sentei junto a um deles, com quem pude conversar bastante. Ele expressou grande admiração pelas nossas instituições políticas, e caráter nacional, parte das quais eu obviamente tomei como cumprimentos. Ele falou dos patriotas de Buenos Aires como um grupo faccioso, incapaz de estabelecer um governo sóbrio; os seus líderes todos corruptos, e desejosos apenas de adquirir uma pequena dose de auto importância; o povo ignorante, e à mercê de demagogos ambiciosos: ele contrastava o caráter deles com as virtudes e inteligência do povo dos Estados Unidos. Ele falou de Artigas, como um atroz selvagem, e declarou um acontecimento recente de tratamento cruel aos seus prisioneiros; que o seu povo era, como todos os selvagens, totalmente insensível aos sentimentos da humanidade. Ele falou de uma forma pouco elogiosa acerca dos ingleses, e manteve a ideia que algumas vãs tentativas haviam sido recentemente feitas da sua parte, para induzir o Rei de Portugal a retornar a Lisboa.” (p. 52-53)
Henry Marie Brackenridge (1820), Voyage to Buenos Ayres Performed in the years 1817 and 1818 by Order of the American Government, London.
Leia em-linha
- A versão em inglês, de 1820 [aqui - na Archive.net],
- & em espanhol, a de 1924 [aqui - na GoogleLivros].
Leia em-linha
- A versão em inglês, de 1820 [aqui - na Archive.net],
- & em espanhol, a de 1924 [aqui - na GoogleLivros].
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A missão norte-americana vista pelos Portugueses
Numa carta de 25 de Fevereiro, o capitão general Carlos Frederico Lecor, que havia entretanto sido feito barão da Laguna no início do mês, por ocasião da aclamação do rei D. João VI, informa o secretário de estado dos negócios da guerra, Tomás António Vilanova Portugal, refletindo que apesar dos propósitos expressos desta comissão serem os de “tomar conhecimento do estado político das Províncias Unidas do Rio da Prata, inteirar-se da economia, e estabilidade do seu governo”, na verdade conseguiu apurar que esta missão era “mais aparente que necessária”, pelo que já estaria decidido que não só os Estados Unidos iriam reconhecer as Províncias Unidas (futura Argentina) como também socorrê-las contra a pretensões de Espanha e seus aliados.
Numa carta de 25 de Fevereiro, o capitão general Carlos Frederico Lecor, que havia entretanto sido feito barão da Laguna no início do mês, por ocasião da aclamação do rei D. João VI, informa o secretário de estado dos negócios da guerra, Tomás António Vilanova Portugal, refletindo que apesar dos propósitos expressos desta comissão serem os de “tomar conhecimento do estado político das Províncias Unidas do Rio da Prata, inteirar-se da economia, e estabilidade do seu governo”, na verdade conseguiu apurar que esta missão era “mais aparente que necessária”, pelo que já estaria decidido que não só os Estados Unidos iriam reconhecer as Províncias Unidas (futura Argentina) como também socorrê-las contra a pretensões de Espanha e seus aliados.
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