sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Exército do Brasil: Tomás da Costa Rebelo Correia e Silva


O brigadeiro graduado Tomás da Costa Rebelo Correia e Silva nasceu em Castro Marim, no Algarve, a 6 de Março de 1768, filho do capitão Belchior da Costa Correa Rebelo e de D. Ana Joaquina Correa da Silva. Era de descendência nobre, da família Costa de alcaides mor de Lagos.

Assenta praça de voluntário na 5.ª Companhia de Granadeiros do Regimento de Infantaria de Tavira a 18 de Janeiro de 1788, com quase 20 anos, passando ao Regimento de Artilharia do Algarve a 1 de Julho do ano seguinte. Um mês depois, a 9 de Agosto é declarado cadete de artilharia. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1788, tendo-se formado em Filosofia em 1791 e em Matemática em 1792. De acordo com os livros mestre regimentais, tinha cabelos castanhos, olhos azuis e media 1,74 m.
A 15 de Setembro de 1791, é promovido a 2.º tenente da 5.ª Companhia de Artilheiros. Quatro anos depois, a 18 de Julho de 1795, é promovido diretamente a capitão Ajudante d'Ordens do novo Capitão General de São Paulo, D. António Manuel de Melo e Castro de Mendonça, passando assim ao Brasil, pelo menos em 1797.
A 19 de Novembro de 1797, é promovido a sargento mor da recém criada Brigada de Artilharia a Cavalo da Corte, sendo confirmado no posto a 10 de Outubro do ano seguinte.

Em 1805, é promovido a tenente coronel do Regimento de Dragões do Rio Grande (conhecidos popularmente como Dragões do Rio Pardo), com o exercício de lente das tropas da capitania do Rio Grande de S. Pedro. Cinco anos depois, a 22 de Setembro de 1810 é promovido a coronel agregado do seu regimento, sendo depois graduado em Brigadeiro a 13 de Maio de 1813, pelos seus serviços na campanha de 1811/1812.

Em 1816, com 48 anos,  é brigadeiro comandante do Regimento de Dragões do Rio Grande. Apesar de estar presente ao início das campanhas no distrito de Entre Rios (Quaraím e Ibicuí), tendo sido ele o comandante que enviou o tenente coronel José de Abreu à vitória na margem ocidental do rio Uruguai em inícios de Outubro, não tem participação visível nas operações posteriores, sendo o regimento comandando interinamente pelo sargento mor Sebastião Barreto Pereira Pinto.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Memórias: TenCor Vicente da Fonseca (Catalán, 1817)


A carta do tenente coronel Inácio José Vicente da Fonseca, o mais graduado oficial de artilharia da Legião de Voluntários Reais de São Paulo, ao coronel Vicente Ferrer da Silva Freire, de 8 de Janeiro de 1817, 4 dias após a grande batalha de Catalán, relata o recontro de um forma pessoal, estando ele no centro da posição portuguesa, equidistante da ala esquerda que, apeada, sofreu o assédio dos orientais, e da carga de cavalaria oriental na ala direita que foi rechaçada por  Sebastião Barreto e José de Abreu (carga esta a que Artigas atribui a derrota oriental). Adicionalmente, Vicente de Fonseca, enquanto artilheiro e “official scientifico” por excelência, é bastante pormenorizado na sua descrição.

Conforme escreveu Vicente de Fonseca na epístola, e serve para nós que o lemos 200 anos depois, “aqui tem V. S.ª o rezultado das Acçõis do dia 3 no Quartel General de Artigas, e do dia 4 na margem direita do Arroio Catalan, da qual tenho a felicidade de poder contar tendo ouvido assobiarem tantas bálas tão poucos palmos distantes do meo Corpo”.

Carta do tenente coronel Inácio José Vicente da Fonseca, da Legião de S. Paulo, a Vicente Ferrer da Silva Freire (rio Catalán, 8 de Janeiro de 1817)

[transcrição com ortografia modernizada retirada do Archio Artigas, Tomo 33, páginas 14-19]

[Arroyo del Catalán, 8 de enero de 1817.]

[...]
Tendo o excelentíssimo senhor marquês de Alegrete chegado ao nosso campo do Ibirapuitã a 15 de Dezembro do passado, e sabendo pelos nossos bombeiros que os insurgentes se reuniam com grande força e que pretendiam ir atacar-nos naquelle lugar, resolveu, que deviamos então encontrá-los, e conseguintemente levantámos o Campo a 25 dirigindo-nos para o Quaraí.

Passamos este Arroio no dia 31, e falhámos ao 1.°, e tendo neste dia os nossos bombeiros  agarrado 3 bombeiros do inimigo, soubemos destes, que Artigas tinha o seu quartel general no lugar denominado o Potreiro nas imediações do Arapey, aonde somente existiam 400 e tantos homens, e que tinha feito marchar deste lugar o major general Latorre com perto de quatro mil homens, e duas peças de calibre 4, a este tempo já os nossos espias descobriram bombeiros, e pequenas partidas do inimigo pela nossa retaguarda, mas como julgámos que a força maior estava pela nossa frente, levantamos o campo no dia dois, e avançámos 4 léguas e meia, e acampamos na  margem direita do arroio Catalán. A posição de nosso campo era elevada e própria para poder a artilharia operar por todos os lados tinhamos, o flanco ([esquerdo]) direito apoiado por uma sanga, à frente, e flanco esquerdo por pequenas sangas, e a retaguarda pelo arroio ainda que fraco por ser cortado por várias partes.

[SURPRESA DE ARAPEY (3/1)]


Neste mesmo dia fez o senhor marquês marchar a nossa avançada que é comandada pelo tenente coronel de milicias José de Abreu composta de 500 homens (milicianos de Entre Rios, algumas guerrilhas de paisanos, 100 homens de infantaria da Legião de S. Paulo, e 2 peças de calibre 3 comandadas pelo tenente Luz formam os mencionados 500  homens).

Saíram ao pôr do sol com ordem de marchar toda a noite para na madrugada do dia 3 surprenderem a Artigas no mencionado potreiro, mas apesar de terem marchado toda a noite chegaram a esse lugar uma hora depois de amanhecer, e por este motivo foram percebidos pelas guardas avançadas do inimigo, e pode Artigas escapar se precipitadamente deixando a sua carretilha, e até mesmo o seu ponche, escaparam muitas familias, e a maior parte da guarnição, e uma porção que ainda não tinha fugido foram derrotados pelos nossos depois de fazerem uma grande resistência.

Artigas tinha escolhido um lugar para seu quartel general aonde a Cavaleria não podia operar, e por isso somente a artilharia e infantaria de S. Paulo, e poucos de cavalaria a pá decidiram desta acção, (ouvimos os tiros de artilharia, e seriam 8 horas da manhã) a perda do Imimigo consistio em setenta e tantos mortos incluso um ajudante, 6 prisioneiros, ficou em nosso poder a carretilha de Artigas, 1500 mil e quinhentos cavalos, e algumas munições.
A nossa perda consistiu em dois soldados mortos da infantaria de S. Paulo, que foram os primeiros que investiram o mato, e 4 feridos da mesma infantaria sendo 2 gravemente. 

O valente tenente coronel Abreu pretendia perseguir a Artigas, mas sabendo dos prisioneiros, que Latorre tinha avisado a Artigas, que no dia 4 pretendia bater os portugueses, e que nesse mesmo dia estaria com ele vitorioso no potreiro, com esta notícia (apesar de não ter a nossa tropa comido, e nem dormido) picou a marcha o tenente coronel Abreu para reunir-se a nós com a brevidade possível, o que conseguiu no mencionado dia 3 depois de anoitecer; com a chegada do Abreu deram-se as ordens necessárias, e foram, que às três horas da manhã estaria toda a cavalcria montada, e toda a mais tropa debaixo de armas, mas assim não aconteceu por causa das facilidades, estivemos com efeito debaixo de armas às horas determinadas, porém só a cavalaria de S. Paulo estava montada, e Dragões e Milicianos não tinham pegado cavalos. E se não fosse a artilharia, e o valor da nossa tropa, o inimigo teria a conseguido uma completa surpresa.

[BATALHA DE CATALÁN (4/1)]

Eram 4 horas e meia, e naquele momento tinha o nosso clarim acabado de tocar a alvorada, quando um chefe de guerrillas, que guardava uma nossa cavalhada que estava sobre o nosso acampamento no flanco esquerdo, presentiu os charruas avançarem para roubá-la, mandou logo disparar oito tiros, e reuniu-se a nós com a cavalhada que pode, eu estava na bataria do centro que é composta de 4 obúses, conversando com o major Pitta que é o comandante desta divisão de artilharia.

Principiámos logo a ouvir o grande alarido que costumam fazer estes bárbaros, e a descobrir um grande negrume por todas a coxilha que estava pela nossa frente, flanco, esquerdo e retaguarda. A nossa tropa dispos-se imediatamente para entrar em ação, e o inimigo aproximava-se cada vez mais tocando a sua música com grande desafogo.

A este tempo que seriam passados 5 minutos depois que foram percebidos, apareceu logo o senhor marquês na frente da tropa montado a cavalo animando-a com muita coragem, e vendo que o inimigo ja estava pelo nosso flanco esquerdo em distância de fuzil, mandou logo romper o fogo de artilharia, o que se executou prontamente, e tive então o gosto de ver laborar ao mesmo tempo toda a artilharia do meu comando, estava disposta em divisões sendo a do centro comandada pelo major Pitta, e composta de 4 obúses que lancaram granadas que fizeram um efeito terrível, a divisão da esquerda composta de 3 peças de calibre 6 é comandada pelo capitão José Olinto, a da direita composta de 2 peças de calibre 3 pelo tenente António Soares, as duas peças de 3 comandada pelo tenente José Joaquim da Luz estavam postadas num corpo de reserva que guardava a cavalhada, o inimigo respondeu-nos logo com o seu fogo de artilharia, as suas balas passavam muito altas, mas sempre acertaram com uma bala em um reparo de uma peça de 6 que chegou a partir o eixo de ferro. 

A cavalaria inimiga atemorizada pelo nosso fogo amiudado de artilharia e não se animou a avançar, estava formada em 2 linhas em número de mais de dois mil homens, a infantaria inimiga formada na frente da cavalaria em duas fileiras, e com grande intervalo de um a outro soldado desceu a coxilha por baixo do fogo de artilharia, passou uma sanga, e apareceu-nos pela frente em pequena distância de onde nos deu uma descarga cerrada.

A este mesmo tempo os lanceiros charruas carregaram sobre o nosso flanco direito, o senhor marquês correu para este flanco pelo meio das balas, e fez avançar uns cento e cinquenta e tantos dragões que já se achavam montados para rebater os charruas, e imediatamente tocar a degola fazendo avançar a brava infantaria de S. Paulo de baioneta calada, foi quando vi com muita satisfação estes meus valentes patrícios correrem por um terreno cheio de pedras que mais parecia voarem do que correr. Levando por diante uma poeira a infantaria inimiga a bala, e ponta de baioneta fazendo-lhes fogo mesmo à queima roupa.

Nesta mesma ocasião avançou o bravo e incomparável tenente coronel José de Abreu com 300 homens pouco mais ou menos que eram milicianos de Entre Rios, cavalaria de S. Paulo, Dragões, Milicianos, e algumas guerrilhas de paisanos, e com este punhado de homens valentes pôs a cavalaria inimiga em vergonhosa fugida perseguindo-os, e fazendo uma grande mortandade até à distância de 3 léguas, tomando muitos cargueiros de munições, e cinco mil e tantos cavalos.

Enquanto o tenente coronel Abreu perseguia a cavalaria, a infantaria de S. Paulo, e os Milicianos do Rio Pardo, e Porto Alegre a pé por não terem tido tempo de pegar cavalos continuaram um vivo fogo contra uma grande porção da infantaria inimiga que se tinha emboscada em um pequeno mato, fizeram uma resistência terrível, mas nada pode vencer ao valor das nossas tropas, e não tiveram remédio senão depôr as armas uns 239 que ainda viviam, entre estes 6 oficiais um dos quais é sobrinho de Artigas, e também há um inglês.

A força inimiga era composta de 3200 homens, sendo mil e tantos de infantaria, tinham duas peças de artilharia, e mais 400, e tantos homens que guardavam a cavalhada. O comandante em chefe era o major general Latorre, o coronel Mondragon o comandante da cavalaria, e o coronel Berdún comandava a infantaria e artilharia. Dizem varios prisioneiros que Berdún morrera, porém esta notícia ainda não se verificou, e por isso não dou como certa.

A nossa força era composta de dois mil duzentos e tantos homens, e 11 bocas de  fogo, mas em rigor entrariam na acção 1300 a 1400 homens, ficando os mais guardando as cavalhadas, boiadas, e bagagens.

Da relação junta verá V. S. qual foi a nossa perda, uma grande parte dos nossos feridos foram gravemente, e já tem morrido muitos: a perda do inimigo foi considerável, contam-se em pequena distancia 468 mortos inclusos muitos oficiais, e não se contaram os que ficaram estivados por esse campo até a distância de 3 léguas.
Ficaram prisioneiros 239 inclusos 6 oficiais, (dos prisioneiros já tem morridos uma grande parte dos feridos) tem-se apresentado até hoje vinte e tantos, tomámos a sua artilharia que eram duas peças de calibre 4, uma carreta com muitas munições de infantaria e artilharia, muitos cargueiros com munições, 5000 e tantos cavalos, um estandarte, caixas de guerra, instrumentos de música, e muito armamento, pode-se avaliar por um cálculo bem aproximado que a perda do inimigo entre mortos, prisioneiros, e aprezentado excede a mil homens.

O fogo durou até às onze horas e três quartos da manhã. O senhor marquês correu depois por todas as fileiras dando mil agradecimentos a toda a tropa, que assim mesmo fatigada, e muitos lavados em sangue das feridas que tinham recebido gritavam com grande corágem, que estavam prontos para principiar já outro combate, então o senhor marquês dava mil vivas a sua Majestade, que eram mutuamente correspondidos por toda a tropa, e todo se finalizou com uma salva real de 21 tiros de artilharia.  

À tarde o senhor marquês assitiu ao funeral dos nossos oficiais mortos, e foram carregados pelo senhor marquês, senhor tenente general Curado, brigadeiros, estado  maior de S. Excelência, etc.  



Demoramo-nos no campo da ação o dia 4, e 5 ocupados em enterrar os nossos mortos, e curar os feridos, a senhora marquesa tem zelado dos doentes com  muita caridade,  desfiando panos com suas própias mãos para se curarem as  feridas. 

No dia 6 avançámos 3 léguas para baixo do mesmo arroio Catalán para fugir da podridão que já infeccionava o campo, e aqui nos conservamos sem por ora saber de nosso destino sobre a marcha.  

Os nossos bombeiros chegaram hoje, e dizem que a reunião dos dispersos é na Purificação, e consta que Artiguinhas  já passou o Uruguay para este lado em Japejú, e que se reuniu a Artigas com 1500  homens. Eu estou persuadido que os homens se reúnem com grande força e que breve teremos outro divertimento, tão bem estou persuadido que Artigas não nos aparece agora com menos de 5000 homens, o que pode conseguir com a junção de Otorgués, e hão de continuar a aparecer-nos em quanto restar a Artigas um único homem.  

Esqueceu-me referir que o inimigo já nos tinha tomado na nossa retaguarda treze carretas de vivandeiros que vinham com uma marcha de diferença da nossa, e eram o mulato Romualdo, e o José Cabeça, mas todas foram restauradas no dia da acção, e felizmente todos os vivandeiros que eles conservavam prisioneiros, e não tiveram tempo de matar um só.

O meu camarada e amigo major Rosário [António José do Rosário, Inf LTL] caiu morto ao meu lado esquerdo logo das primeiras balas do inimigo, ele certamente nem soube de que morreu, que tão repentina foi a sua morte de uma bala que lhe passou ambas as frontes, logo o mandei carregar para baixo de um carro de munições, e o mandei cobrir com um ponche. 

Os capitães Prestes [José de Paula Prestes, RegDrag], e Corte  Real [Francisco de Borja de Almeida Corte Real, RegDrag], e o secretário de Dragões [Eleutério Severiano dos Santos Pereira]; o valente furriel Moura [Mateus José de Moura] da cavalaria de S. Paulo, e o cadete da mesma cavalaria filho do coronel engenheiro de S. Paulo [Manuel Joaquim Carneiro de Fontoura] morreram todos trespassados de lanças dos charruas, e o ajudante Marçal foi ferido de cutiladas na cabeça. O tenente Joaquim Maria baleado em uma coxa, o capitão Gaspar ferido num pé.  

Entre os prisioneiros acham-se 3 portugueses, um dos quais é da infantaria de S. Paulo desertado em Maldonado na campanha passada. Persuado-me que o senhor marquês os mandará arcabuzar.
Pelo balanço que acabo de dar ao parque vejo, que a artilharia deu cento e quarenta e quatro tiros, que talvez fosse a nossa redenção, pois além do estrago que fez, deu tempo para se pegarem os cavalos que deviam estar pegados antes das 3 horas da manhã. No potreiro  deram-se além destes 13 tiros de artilharia. Distribuiram-se onze mil e tantos cartuchos de espingarda, e sete mil e tantos de clavina. 

Aqui tem vossa Senhoria o resultado das ações do dia 3 no quartel General de Artigas, e do dia 4, na margem direita do Arroio Catalán, da qual tenho a felicidade de poder contar tendo ouvido assobiarem tantas balas tão poucos palmos distantes do meu corpo, tendo assistido já em uma e já em outra divisão de artilharia que fizeram um vivo fogo sobre a frente, flanco esquerdo, e retaguarda.  

Nada sabemos de combinação com os Talaveiras, sabe-se que Santa Teresa foi retomada por Fructuoso Ribeiro, e Serro Lárgo por Otorgués.

[...]

Campo da Margem direita de Arroio Catalan 8 de Janeiro de 1817
Ignacio Jozé Vicente da Fonseca

* * *

Conheça as biografias:
Marquês de Alegrete [ler]
José de Abreu [ler]

Transcrição e modernização de ortografia de:
- Archivo Artigas, volume 33: pp.14-19

domingo, 5 de agosto de 2018

India Muerta (Gustavo Barroso, 1930)

 

“... Artigas, na fronteira, de onde dirigia as suas ordens, e onde recebia tais recursos, projetava, além da resistência à divisão do general Lecor, pelas fronteiras de Serro Largo e Santa Teresa, também uma diversão com suas maiores forças ... “(Diogo Arouche – Memoria da campanha de 1816).

NOVEMBRO de 1816. O exercito brasileiro de Lecor invade o Uruguai pelas fronteiras de Santa Teresa e Serro Largo. “Invasão rápida e pujante”. Artigas, ditador da Banda Oriental, pretende tolher-lhe o passo no caminho de Montevidéo.
Vanguardeava o grosso dos invasores o general Sebastião Pinto com pouco mais de mil homens das tres armas e um obús. Eram 722 granadeiros, caçadores e artilheiros da divisão de Voluntários Reais e 106 milicianos gauchos de cavalaria.

* * *

Fructuoso Rivera, à frente de 1700 uruguaios a cavalo e a pé, com uma peça, obedecendo aos designios do ditador, espera a vanguarda brasileira entre o Puerto de la Paloma e o Passo e Coronilla, à margem do arroio India Muerta. 

Ao avista-lo, no dia 14 de pela manhã, Sebastião Pinto desenvolve a sua linha de batalha: granadeiros, caçadores e o obuseiro ao centro; os dois pequenos esquadrões de Manoel Marques de Sousa e João Vieira Tovar nas alas. Os nossos atiradores abrigam-se por trás das touceiras de pita, cujos penachos ondêam ao vento, e começam a hostilizar o inimigo. No alto da coxilha forma a cavalaria de Rivera e carrega como uma tromba. As guerrilhas incorporam-se ao grosso. Os infantes, em quadrado, recebem na ponta das baionetas os orientais. Alvoroço. Gritaria. Tiros. Alguns cavaleiros trazem à garupa voltigeiros armados de pistola e sabre, que pulam dentro do quadrado e logo são esfuracados a arma branca. Rivera em pessoa, agitando o rebenque no ar, comanda seus centauros que revolutêam, coroados de lanças, de laços e boleadeiras ameaçadoras.

A formidavel infantaria resiste ao ariete. Os esquadrões das alas acometem furiosamente os contrarios, para alivia-las.

Recua a cavalaria oriental no preparo de nova carga. Porém abre com esse movimento à frente do quadrado o campo de tiro. Granadeiros e caçadores fuzilam-na. O obús consegue falar e uma granada rebenta no meio dos cavaleiros, desmoralizando-lhes a formatura e causando muitas baixas. Um tiro de mestre! Vagam cavalos à solta pelo pampa, as selas ensanguentadas. De novo as linhas de atiradores se estendeme os homens, emboscados nas piteiras, caçam o inimigo.
A infantaria de Lasalle vem a marche-marche afim de sustentar a cavalaria batida. Jeronimo Pereira de Vasconcelos, irmão do grande Bernardo de Vasconcelos, manda rufar os tambores e leva seus caçadores a baioneta contra ela. Trava-se terrivel corpo a corpo. Os infantes engalfinham-se a arma branca. Distante, o canhão oriental é inutil, porque a confusão dos lutadores não lhe permite atirar. O nosso também está calado.  Os milicianos enovelam-se aos cavalarianos de Rivera. Na luta, Tovar perde um braço, cortado à espada, Marques de Sousa recebe um talho na cabeça. Então, avançam cerrados, solidos, com seus sargentos de chilfarotes e piques em punho, os granadeiros de Moura Lacerda.

- A baioneta! Grita-lhes estentoreamente o comandante. E eles varrem, literalmente os infantes uruguaios. É o tempo que a nossa cavalaria reflúe, deixando livre a frente de batalha, onde se reformam os esquadrões de Rivera.
- Granadeiros, fogo!
- Caçadores, fogo!

As duas descargas ceifam a gauchada oriental. Pronuncia-se a derrota, depois de mais de quatro horas de peleja. Os restos da infantaria inimiga, dispersos, são aprisionados. A única peça de Rivera e todas as suas bagagens caem em nosso poder. O vanguardeiro destroçado de Artigas escapa a casco de cavalo e chega ao acampamento do seu chefe à teste unicamente de cem homens, miseraveis remanescentes de mil e setecentos que levara...

* * *

Sebastião Pinto, vitorioso, à margem da India Muerta. A soldadesca arma tendas e ranchos. Ao cair da noite acendem-se as fogueiras. E, à sua luz e calor, os violeiros descantam as saudades das querencias e dos pagos.

De repente, um deles dedilha o pinho e solta estes primeiros versos duma copia uruguais popular sobre o ditador:

Viva o general Artigas,
Su tropa bien arreglada...

Um silencio. E o soldado brasileiro repete:

Viva o general Artigas,
Su tropa bien arreglada...

Aí sonora gargalhada sacode todo o acampamento.

Fonte
BARROSO, Gustavo, A Guerra de Artigas, s/l, Ed. Getulio M. Costa, [1930]