quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A relação entre condecorações e a experiência militar dos voluntários reais (I) : Cruz da Guerra Peninsular de 3.ª classe



Afirma-se que o Corpo de Caçadores, que está a chegar, é composto de Transmontanos esforçados e escolhidos dos que mais se distinguiram na Batalha de Talavera (Luís Marrocos, R.J., 23.2.1816)


Umas coisas pela qual a Divisão de Voluntários Reais (DVR) é mais conhecida, tanto na historiografia luso-brasileira e uruguaia, é o facto de ser uma unidade veterana vinda da Europa com a experiência de ter combatido na Guerra Peninsular.  Os Talaveras, ou a corruptela talavetas, como eram conhecidos num e noutro lado da fronteira, eram extremamente respeitados e na verdade era esse efeito exato que o governo do Rio de Janeiro queria e o que Lisboa proporcionou em 6 meses. 




É irónico pensar, no entanto, que na batalha de Talavera, no Verão de 1809, não participaram tropas portuguesas. As mais próximas, poucas, estavam em Alcântara, sob o general Robert Wilson, e o grosso do Exército Português estava ainda na área de Almeida/Ciudad Rodrigo, preparando-se a cobrir o flanco norte de Wellesley. 


Pretendo saber é qual a medida exata dessa experiência, através das condecorações que foram outorgadas a estes veteranos da Guerra Peninsular. Quantos receberam a condecoração, e qual a sua incidência estatística nos efetivos da DVR? Daí, podemos perceber qual o grau de veterania da DVR, num dos seus fatores, tendo em conta que muitos dos seus integrantes eram necessariamente soldados jovens, que não poderiam ter estado em França em 1814, por mais que o tivessem decerto desejado.



A “Relação das praças da Divisão de Voluntários Reais que devem receber cruz de condecoração”, que pode ser encontrada no Arquivo Histórico Militar, nas cotas AHM-DIV-1-14-313-13 e AHM-DIV-1-14-311-06, informam-nos das cruzes atribuídas em 1821 aos praças e sargentos da DVR, em virtude do corpo pertencer ainda ao Exército de Portugal.


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* * *


 

A Condecoração
A Cruz da Guerra Peninsular, n.º 3 ou de 3.ª classe (adiante CG3), em prata, foi criada em 1820, de forma a premiar sargentos e praças que tenham participado na Guerra Peninsular em pelo menos duas campanhas, entre os anos de 1808 a 1814, sendo primeiramente escolhidos “os mais conspícuos por sua inteligência e valor, e em segundo dentro aquelles que, combinando os mais longos serviços activos com a diligência, sisudesa e atenção”. 
A primeira menção a esta condecoração, seja nas suas duas variantes para oficiais (leia aqui), seja na variante que falamos aqui, já vem de 1816, aquando da criação da Medalha de Distinção de Comando, mas só 4 anos depois é regulada.



A condecoração, destinada a oficiais inferiores (hoje, sargentos) e praças, estava limitada, sendo atribuídas 200 cruzes a cada regimento de infantaria, 200 a cada regimento de milícias, 120 a cada batalhão de caçadores, 25 a cada esquadrão de cavalaria, 30 a cada brigada de arrtilharia e 25 a cada companhia de engenharia.




Faltará uma melhor conta, face ao número total de militares que participaram em operações, durante os seis anos de campanha ininterrupta, mas calculo por alto que a condecoração terá sido atribuída a menos de 10% de todos. De acordo com Paulo Estrela, foram atribuídas cerca de 6500.




Por Mérito

Ao invés da cruz de guerra peninsular n.º 1 e 2, para oficiais, que era dada como medalha comemorativa da campanha, semelhante à atual Medalha Comemorativa de Campanhas quanto aos critérios de atribuição, a n.º 3, para sargentos e praças era dada por comemoração e por mérito, tendo em vista as cruzes atribuídas e o número de combatentes. O número limitado de cruzes por corpo e os critérios de escolha tornam esta cruz uma condecoração de mérito. 



O quadro seguinte recapitula as cruzes de guerra peninsular n.º 3 atribuídas a militares da Divisão de Voluntários Reais (DVR), por classe e por arma:



Cruzes da Guerra Peninsular, 3.ª classe

Oficiais*
Sargentos
Praças
TOTAL
Infantaria
14
46
136
196
Caçadores
14
18
111
143
Cavalaria
4
20
135
159
Artilharia
1
6
14
21

33
90
396
519




* Tiveram direito à condecoração enquanto cumprindo funções de sargento ou praça, mas foram entretanto promovidos à classe de oficiais.

A DVR e a Cruz de Guerra Peninsular n.º 3
Com alguma flutuações entre as armas, um décimo dos militares da DVR recebeu a CG3, demonstrando a experiência operacional, assim como também algum equilíbrio em não retirar do Exército de Portugal mais do que o necessário. Nota-se a densidade maior de galardoados na cavalaria e nos caçadores.


Percentagem aproximada de CG3 atribuídas 
em 1821 a militares da DVR, de acordo com a arma:
Infantaria – 4,08%
Caçadores – 9,93%
Cavalaria – 14,13%
Artilharia – 6,56%


De notar que 6,36% dos militares que receberam a CG3 na DVR, cerca de 33, eram oficiais promovidos das fileiras.


Companhias
Focando-nos na subunidade companhia, vital para o bom funcionamento e manobra da DVR, poderemos apreciar qual a distribuição média da CG3 entre a DVR.



Praças

Em média, 12 em cada 100 praças das companhias das várias armas tinham a CG3 e, assim, pelo menos 2 anos de experiência operacional. Um décimo pois da maior classe tinha recebido a condecoração. Dos restantes 90%, muitos podem até ter experiência, mas menos de 2 anos e muitos eram soldados recentemente incorporados.


Percentagem aproximada de CG3 
por companhia (Praças), por arma.
Infantaria – 11,1 %
Caçadores – 13,6 %
Cavalaria – 17,3 %
Artilharia – 6,5 %


Na cavalaria, quase 2 em cada 10 praças tinha a CG3, mostrando uma maior incidência nessa arma.




Sargentos (Oficiais Inferiores)

Em média, 6 em cada 10 sargentos tinham a CG3 e, consequentemente, pelo menos 2 anos de experiência operacional em Espanha e França. É um rácio particularmente alto e demonstra um alto grau de experiência nesta classe, fundamental ao funcionamento diário da divisão.


Percentagem aproximada de CG3 
por companhia (Sargentos), por arma
Infantaria – 63,9 %
Caçadores – 37,5 %
Cavalaria – 55,6 %
Artilharia – 75 %


A infantaria tem quase dois terços dos seus sargentos com a CG3 e a artilharia chega mesmo aos 3 sargentos em cada 4 galardoados por pelo menos 2 anos de campanhas. A arma com a percentagem mais baixa, Caçadores, tem ainda assim mais de um terço dos seus sargentos com a CG3.




Ainda que a percentagem seja alta nos sargentos, um classe geralmente constituída por militares com bastantes anos de serviço já, é ainda assim um excelente resultado, ainda mais se considerarmos esta condecoração como mais de mérito que comemorativa de campanhas, dado a sua atribuição limitada. É de supor no entanto que os sargentos recebessem a condecoração muito em virtude do seu posto.


* * *



Talaveras

Um em cada 10 praças recebeu a CG3, atestando que teve um mínimo de dois anos de experiência, muito provavelmente em 1813-1814, no exército em operações no norte de Espanha e França.



No relativo à classe de sargentos, em média, um em cada dois recebeu a CG3. Mesmo na arma de Caçadores, que apresenta o número mais baixo, 1 em cada 3 sargentos receberam a CG3.




Se esta análise nos pode elucidar acerca de quantos militares da DVR tiveram experiência de operações em Espanha e França, os números parecem ser muito semelhantes aos restantes corpos que ficaram em Portugal. Ainda assim, é um bom elemento, creio, para a geral caracterização desta grande unidade da nossa história.


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Fontes
- ESTRELA, Paulo Jorge, Ordens e Condecorações Portuguesas 1793-1824, Lisboa, Tribuna da História, 2008. 
- MARROCOS,  Luís Joaquim dos Santos, Cartas do Rio de Janeiro  - 1811-1821, Elisabet Guillamet (coord.),  Lisboa, BNP, 2008.
- ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR

Imagens
- Créditos e agradecimento às fotos da cruz da guerra peninsular, gentilmente cedidas por Carlos Ramos.

3 comentários:

  1. ¡Excelente estudio! Expresa la experiencia de la DVR en la campaña peninsular, su veteranía y particularmente en el cuerpo que vertebra cualquier unidad, los sargentos.

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  2. Sempre com artigos bons. Investigação a serio é outra coisa~

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  3. O meu pentavô foi condecorado com a Cruz da Guerra Peninsular e da Batalha de Montevideo.

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