quarta-feira, 25 de abril de 2018

Correspondência militar no teatro do Uruguai (13 a 23 Setembro de 1816)


Apresento a transcrição de 5 cartas escritas no período entre 13 e 23 de Setembro de 1816, ao início da hostilidades no distrito de Entre Rios, fronteira de Santana, Quaraí e em Missões. Não as conheço transcritas na variada literatura que já consultei, pelo que pensei ser interessante aqui as divulgar.

As cartas, escritas por vários comandantes na área, o principal, o tenente general Joaquim Xavier Curado, comunicando com o marquês de Alegrete (que só assume o comando no terreno no dia de Natal, daí por 2 meses), José de Abreu, destacado com cerca de 700 homens para o rio Uruguai em apoio, ou o brigadeiro Francisco das Chagas Santos, comandante militar das Missões, em S. Borja.

É de destacar, para contexto, que Andrés Guaçurari y Artigas (Andresito) começa a invasão da província de Missões a 12 de Setembro, quando força a guarda portuguesa de S. João Velho, no rio Uruguai, com a sua divisão, dirigindo-se depois ao Povo de S. Borja que sitia a partir do dia 21.

As transcrições foram feitas a partir de registros fotográficos que me foram disponibilizados, e infelizmente com alguns corte que não permitem um trabalho melhor.

Esta correspondência tem no entanto um grande valor pois nos dá a perspetiva daqueles primeiros momentos da guerra que se desenrolará por mais 3 anos, e a incógnita que representava ao comando português do Rio Grande as primeiras movimentações das forças de José Artigas não só nesta fronteira, mas a Leste, na costa atlântica.
Têm ainda valor estas transcrições por revelar os pensamentos do general Xavier Curado em termos táticos, com uma especial atenção aos vitais elementos logísticos, sem os quais como ele próprio refere n~ºao há possibilidade de bom sucesso. Apesar dos reforços estarem, por esta altura, já na estrada para o passo do Rosário, as tropas da capitania do Rio Grande são ainda diminutas para fazer face aos orientais, principalmente pela dispersão por uma enorme fronteira, extremamente falha de população ou aldeias.

Nota-se, em pormenor, que na perspetiva do oficialato português uma forte distinção entre os indios e os 'insurgentes' federais, quando na verdade o exército de Artigas era bem mais coeso em termos revolucionários, com um grande apoio de todas as classes sociais. No entanto, a questão federal era, em bastantes aspetos, algo diferente da questão missionária, o que o percurso histórico desde 1680 pode ajudar a perceber melhor, nomeadamente as tonalidades raciais que são norma nesta altura.

Para concluir o que já vai longo, indico que no final deste artigo poderá encontrar a ligação para as biografias dos mencionados nas cartas, assim como outras que sejam relevantes a uma melhor compreensão do momento histórico desta segunda quinzena de Setembro em que tudo aquece.



I.
[464 A] [TenCor. José de Abreu a Brig. Tomás da Costa Rebelo e Silva, Passo do Baptista (hoje, cidade de Quaraí), 13 de Setembro de 1816 ]

Ilustrissimo Senhor Brigadeiro Commandante

Neste mesmo instante ao amanhecer recebo as Partes de que seguem copias e estando com tudo pronto para passar o Quarahim me resolvi a chamar todos os Officiaes que me acompanhão para que à vista das ditas partes desse cada hum seu parecer se devemos passar para os Dominios Espanhoes, ou acudir aos terrenos de Sua Majestade invadidos pelos insurgentes que entrão pelo Rincão da Cruz na Provincias de Missoens, a qual se acha com muito pouca guarnição; e sitiados no Capão de Atanazio como consta das mesmas partes; asentamos unanimemente em indireitar pelo Jaráo dereito a Coxilha grande mandando bombeiros por toda a parte para no cazo deque os ditos Insurgentes se retirem logo que nos precintão endireitarmos a passar no Paço da Barra do Quarahim, e seguir as mesmas Ordens que V. S.ª me deu, e quando não acudir aquella Provincia que não pode ter brevemente soccorro de parte alguma, antes pelo contrario temo que os Indios fação algum desatino.
Como os inimigos carregão para esta parte com mais força, parecia-me muito acertado que V. S.ª sendo do seu agrado se encaminhase direito a Jaráo, ou mandasse algum corpo a este mesmo ponto por lhes não mdê na cabeça entrarem por aqui, porque já se conhece que elles não querem alargarse muito das costas, e dali está V. S.ª abel [ábil?] a sahir por donde lhe parecer, ou dar as providencias com mais brevidade as que se precizão na estação prezente.
Julgo V. S.ª não me levará a mal esta deliberação de não passar para os terrenos do inimigo, deixando os nossos occupado por elles; espero que V. S.ª delibere com brevidade; entretanto Deus Nosso Senhor Guarde a V. S.ª por muitos annos.

Passo do Baptista, treze de Setembro de mil oitocentos e dezeseis
Illustrissimo Senhor Brigadeiro Thomaz da Costa Correia Rebelo e Silva = Jose de Abreu

Fonte: Arquivo Público do Rio Grande do Sul: Correspondências de José de Abreu, 1810-1825.

* * *

II.
[464] [TenGen Joaquim Xavier Curado a CapGen Marquês de Alegrete, em Marcha (a caminho do rio Ibirapuitã), 14 de Setembro de 1816]

Illmo. E Exmo. Sor.

As noticias adquiridas pelos bombeiros de que se acha […] nos serros brancos hua Partida de trezentos Insurgentes comandados pelo Ramires; e junto ao Serro de Cunhapirú outras mais pequenas, guardando uma porção de cavalos; e finalmente que em Lunaresco avião Tropas, que fazião a vanguarda do corpo principal comandado por Artigas, tomei o expediente mandar o Sargento Mór Sebastião Barreto [Pereira Pinto, Dragões do Rio Grande] atacar com quatrocentos ómens o Corpo que se dizia existir em serros brancos: este Major inda não voltou, nem a Tropa do seu Comando, e nada sei do rezultado da sua diligência. 
O Capitão de Dragoens Jozé de Paula Prestes foi mandado tirar a Cavalhada, e bater a Tropa que aguardava em Cunhapirú. Estes oficial voltou logo dando parte de não encontrar couza algua, e de ter observado vestigios da retirada de muita Tropa para a parte do Uruguay.
O Tenente Coronel Jozé d'Abreu com quinhentos ómens, e duas Peças de Artilheria foi mandado atacar as Tropas do Lunaresco; e o Brigadeiro Tomaz da Costa foi encarregado da deligencia de marchar com mais de trezentos homens, e duas Peças de Artilharia a ocupar um lugar destinado nas pontas de Arapey, com o projecto de se corresponder com o Tenente Coronel José de Abreu, e prestarem entre si mutuo soccorro.
Já tinhão estes dous Comandantes dado principio á sua marcha quando recebi esta manhã as incluzas participaçoens, de que um numerozo Corpo de Indios, e e Espanhoes tinhão atacado a quem, e alem do Ibicuy, e desolado alguas Estancias nas margens do Uruguay: na mesma occaszião recebi juntamente o Oficio do Brigadeiro Francisco das Chagas, que sobem igualmente à Prezença de V. Ex.ª.
Em consequencia pois destas novidades mandei sustar a marcha do Brigadeiro Tomaz da Costa, incumbindo ao Tenente Coronel Jozé de Abreu a obrigação de marchar prontamente com a Tropa confiada ao seu Comando, e se apreçasse a chegar a tempo de atacar o Corpo, que se achava deste lado do Ibicuy, e prezumo que amanhãa ao manhecer se encontrará com ele: e que depois conforme as notícias que adquirisse, pasasse o Rio e fose socorrer Missoens.
He de prezumir que esta deliberação dos Insurgentes he dirigida a divertir as forças desta Fronteira para facilitar os seus projectos. A tropa existente é muito pouca para defender perto de cem léguas de Fronteira. A cessão Comandada pelo Tenente Coronel Ignacio Jozé Vicente, que conduz a Artilheria de seis ainda não chegou ao Rozario: o mesmo sucede a Tropa de Santa Catarina, que partio de Bagé no dia 19 do mez passado, apezar das deligencias, e auxilios de Boyada que tenho mandado a ambos os Comandantes: talvez a cauza da demora seja o mau estado da Cavalhada e Boiyada, que suposto não falte em numero, tem com tudo falta de forças, e vão ficando cançadas ainda em hua marcha ordinaria: da Legião de S. Paulo nada sei nem ainda por noticia: e só conto com as Praças deste Corpo que precederam a minha marcha de Rio Pardo.
O Regimento de Milicias tem falta de muitas praças para o seu estado efectivo.
O Brigadeiro Tomaz da Costa com mais de trezentos ómens, e duas peças dÁrtilheria vai a ocupar o Paço do Lageado em Quaraim com o destino de auxiliar o Tenente Coronel José de Abreu, ou obstar qualquer tentativa dos Insurgentes de Artigas: eu marcho para as imediaçoens de Ibarapuitam com cem omens de Infanteria da Legião, e secenta Milicianos do Rio Pardo, e sem a Artilheria por não terem ainda chegado, com o projecto de embaraçar qualquer pretenção do Artigas, que tendo a sua Cavalhada em descanço pode projectar com vantagem algua surpreza contra a nossa, que se acha efectivamente em movimento ou girando pela Fronteira, ou conduzindo Tropas do Rio Pardo na distancia de mais de oitenta leguas, até á Linha divizoria, e na estação mais critica para estes animaes, que alem de magros estão fracos com os novos pastos.
Agora depois de ter concluido este Oficio recebo a Carta do Brigadeiro Chagas com data de doze, que sobe à Presença de V. Ex.ª.

A Excellentissima Pessoas de Vossa excellência guarde Deus muitos annos.
Em marcha 14 de Setembro de 1816

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marquez de Alegrete = Joaquim Xavier Curado

Fonte: Arquivo Público do Rio Grande do Sul: Correspondências de José de Abreu, 1810-1825.

* * *

III.
[…]5A] [Brig. Francisco das Chagas Santos a TenGen. Joaquim Xavier Curado, São Borja, 15 de Setembro de 1816]

Illustrissimo e Excelentissimo Senhor

A 10, e 12 do corrente mez dei parte a V. Ex.ª da cituação critica em que me acho neste Povo onde espero de V. Ex.ª o mais vigorozo soccorro de gente; acabo de receber noticia que são 900, ou 1000 Indios Hespanhóes que se achão no Campo de São João de Atanazio e que se estão intrincheirando junto a Caza da estancia do mesmo Atanazio emquanto lhe chegão 1000 homens de Artigas: os quaes dizem que vem por este lado do Uruguay a passarem no Passo de São Felipe afim de me atacarem neste Povo aonde pertendo defenderme: com a pouca gente que tenho serão 300 homens, e alguma Artilharia por tanto rogo a V. Ex.ª a brevidade do dito soccorro. O inimigo tem aparecido em São Nicoláo dando alguns tiros aos nossos Milicianos que tambem lhe tem correspondido: finalmente as minhas esperanças se fundão na conhecida actividade de Vossa Excellencia que Deus guarde muitos annos.

São Borja, quinze de Setembro de mil oito centos e dezesseis. 

Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Joaquim Xavier Curado
P.D. = Não me tem chegado ainda a gente que tenho mandado avizar = Francisco das Chagas Santos

Fonte: Arquivo Público do Rio Grande do Sul: Correspondências de José de Abreu, 1810-1825

* * *


IV.
[465]  [TenGen Joaquim Xavier Curado a CapGen Marquês de Alegrete, em Marcha (a caminho do rio Ibirapuitã), 20 de Setembro de 1816]



Illmo. e Exmo. Sr.


Tenho a honra de levar à prezença de V. Ex.ª o oficio que dirigio o Brigadeiro Francisco das Chagas Santos na data de 15 acompanhado da primeira resposta, e do oficio que dirigio ao Tenente Coronel Jozé de Abreu, oficial encarregado de atacar aos Indios, que unidos aos Insurgentes procurarão invadir a Provincia de Missoens, como fiz a V. Ex.ª participante no meu oficio na data de 14.
Este Tenente Coronel Abreu tem cometido u~a grande falta em demorar o auxilio destinado para Missoens: por cujo motivo já lhe foi extranhada a sua conduta, e segunda vez referindo o seu comportamento, como V. Ex.ª se dignará ver na Copia incluza. Espero da ónra daquele oficial, cujo merecimento o fazia recomendavel, que desempenhará a comissaõ de que se acha encarregado.

[LEIA TAMBÉM: Um mau início: Xavier Curado a José de Abreu, Setembro de 1816]

O sargento mór Sebastiaõ Barreto [Pereira Pinto, Dragões do Rio Grande] de quem fiz mençaõ no meu citado Oficio de 15 ontem se recolheu, dando parte de não ter encontrado inimigos té as imediaçoens de Santa Anna. Era muito natural que assim sucedesse por que o Chefe dos Rebeldes tem congregado todas as suas forças em Quaraim, e vezinhanças de Arapey aproximando-se ao uruguay, não só para favorecer a pertendida invazão de Missoens, como para ficar ambidestro para os roubos, e destruiçoens das Cazas, das familias, dos gados, e das cavalgaduras. Para este fim destaca partidas de duzentos trezentos e mais ómens que unidos aos Indios Charruas tem aparecido em diversas partes do interior da Linha desde Santa Anna the as vizinhanças do Uruguay; adoptando o metodo da Guerra que costumaõ fazer os mencionados Indios, que atacão com vigor aos poucos que se lhes (…), e dispersaõ-se em debandada quando reconhecem forças superiores […] logo depois reunidos na distancia d'oito ou dêz leguas continuaõ os insultos, e repetem as ostilidades. Na noite do dia 14 tive parte de […] os Indios Charruas, e alguns Insurgentes tinhaõ queimado trêz Cazas […] matado alguas pessoas, e roubado tudo quanto lhes foi possivel.
No […] momento mandei marchar u~a partida para os atacar: forão encontrados, porem longe de querer experar pelo Combate, dispersaraõ-se e procuráraõ reunir-se em outro lugar onde tem dado exercicio […] vil pervercidade. Oje mandei marchar trez Partidas para o […] rem sobre si, ou unidas, conforme as circunstancias, fazendo o total de quatro centas Praças de Cavalaria, com o projecto de os obrigar a combate, ou seguilos por diversas partes como parecer conveniente. Espero o rezultado deste deligencia.

As actuais despoziçoens do Chefe dos Rebeldes dao idéa de que o seu intento hé a conquista de Missoens, ónde protegido dos Indios do outro lado dos quaes a maior parte já se acha difundida pelos Terrenos pertencentes à Provincia de Missoens possa impunemente invadir, a solar e roubar, naõ só os Destrictos de Sima da Serra pertencentes a Saõ Paulo, como às imediaçoens pertencentes a esta Capitania descendo pela Serra de São Martinho, e Boca do Monte dilatar as suas ostilidades até ao Rio Pardo. Pode bem sêr que seja quimerico este modo de pençar: porem é certissimo que estes piratas não querem combater, mas sim subsistir por meio de roubo cuja ambiçaõ lizongea o interesse de seus sequazes. 
Seja qual fôr o seu intento o certo é que este metodo de fazer a Guerra é o mais ruinozo, e destruidôr porque não se pode guardar nem defender a vasta extençaõ de terreno compreendido entre Santa Anna, e Uruguay onde existem as forças que da Fronteira do Rio Grande se retiraraõ. As tropas que existiaõ nesta Fronteira sempre foraõ muito deminutas relativamente à dilatada extençaõ do terreno que devem proteger.
Actualmente que se achaõ desmembrados sete centos ómens para a defeza de Missoens resta muito pouca Tropa: a Cavalaria é muito diminuta, e sem esta qualidade de arma nada se pode empreender com probabilidade de bom sucesso.

Agora que os Rebeldes aparecem em diversos pontos vejo-me obrigado a reunir a um só ponto toda a Cavalhada, e Boyada, e estabelecer u~a guarda numeroza para defender estes animaes, que fazem o primeiro objecto, e de maior interesse para felicitar as operaçoens militares nestas Campanhas. Isto feito apenas restará Cavalaria para agenciar o municio da Tropas.
O Regimento de Dragoens alem das praças legitimamente empregadas fora do Exercito faltaõ-lhe vinte sete para o seu estado completo: actualmente existem duzentas Praças: o Regimento de Milicias de Rio Pardo alem das duas Companhias ocupadas em Missoens, e outra do Camaquam que inda se não apresentou, acha se muito diminuto; apenas duzentos e setenta e cinco omens se podem conciderar neste Campamento. A Partida dos Guerrilhas d'Queirós que foi do falecido Manoel dos Santos consta por ora de quarente praças. A Cavalaria de S. Paulo aprezenta cincoenta praças. Destes corpos extraidos trezentos ómens para guardar e defender efectivamente a Cavalhada, e Boyada e cuidar na subsistencia da Tropa, pouco ou nada restará. Amanhãa pretendo marchar para a vezinhanças de Ibirapuitam. Afim de procurar um ponto mais proximo ao foco principal das Forças dos Rebeldes, para objetar as suas tentativas, e de onde nos seja mais facil auxiliar Missoens, porque concidero importantissima a sua conservaçaõ; e ao mesmo tempo proteger parte da Fronteira mais vezinha, que por sêr muito extença tarde poderaõ chegar os auxilios nos pontos mais distantes, que me forem possiveis mandar.
A falta de proporçoens na marcha me impossibilita de levar à Prezença de V. Ex.ª o Mapa da Tropa existente.

Em poucos dias pertendo campar no ponto que julgar mais conveniente, para as minhas futuras operaçoens: atentas as circunstancias já referidas: então cumprirei com este dever.

Agora acabo de receber a parte que me dirigio o Brigadeiro Tomaz da Costa, que levo à Prezença de V. Ex.ª na qual se faz patente o motivo da demora que tem tido o Tenente Coronel Jozé de Abreu em atacar os rebeldes que pertendem invadir Missoens certificando-me que no dia 19 seriaõ atacados.
Espero que o dito Tenente Coronel Abreu dezempenhe com muita onra os deveres da sua comissão, como tem feito por muitas vezes.

A Exma. Pessoa de V. Ex.ª Guarde Deus muitos annos.

Em marcha[,] 20 de Setembro de 1816
Illmo. e Exmo. Sr. Marquêz d'Alegrete = Joaquim Xavier Curado

Fonte: Arquivo Público do Rio Grande do Sul: Correspondências de José de Abreu, 1810-1825.

* * *

V.
[466] [TenGen Joaquim Xavier Curado a CapGen Marquês de Alegrete, Campamento junto ao rio Ibirapuitã), 23 de Setembro de 1816] (Combate de Santana, 22/9)



Illustrissimo e Excellentissimo Senhor


No meu ultimo Officio de 20 do corrente tive a honra participar a V. Ex.ª que tinha mandado marchar trez Partidas para operarem sobre si, ou unidas, conforme as circunstancias; com o projecto de obrigar aos Insurgentes a entrar em Combate, ou a seguilos por diversas partes, como parecesse conveniente.

No dia 22 forão encontrados os Inimigos que retirandose procurarão o apóio d'hum Corpo numerozo, que augmentado depois com mais Cavalaria, e Infantaria travarão hum combate de quatro óras, no qual forão mortos doze, e feridos trinta e hum, cujos nomes constão da relação incluza: e suposto que fosse muito maior o numero dos mortos entre os Enemigos, com tudo a nossa perda foi muito sencivel, não tanto pela quantidade, como pela qualidade de valentes que perecerão no Combate.
Consta-me que a tropa combateu com muito valor, e que muito particularmente se distinguirão o tenente Joze Rodrigues Barbosa, o tenente Gaspar Francisco Menna Barreto, o alferes Joze Luiz Menna Barreto, o porta estandarte Patricio Joze Correia da Camara, o cadete Belxior da Roza e Brito, o cadete Joze Maria Correa Marques; todos do Regimento de Dragoens: e do Regimento de Melicias o tenente Anacleto Francisco Gulart, o tenente Joze Cardoso de Souza, o tenente Antonio de Medeiros da Costa, o tenente Bento Manuel Ribeiro, o Alferes Antonio Gracez de Moraes, o alferes Antonio Pinto de Azambuja, o Alferes Francisco das Chagas, o Capitão Alexandre Luiz; e da Legião de São Paulo o sargento Antonio Luiz de Moraes Pissarro.
Sobre as particularidades do Combate eu me refiro as participações que me forão dirigidas pelos Commandantes, que tenho a honra de levar à Prezença de V. Ex.ª:

Pelo Mappa incluzo se dignará V. Ex.ª ver o Estado actual da tropa existente neste Campamento, desmembrada aquella que marchou a soccorrer Missoens: com ellas nada se pode empreender, nem deliberar: a Cavallaria é muito pouca; os Insurgentes tem reunido as suas forças nas vizinhanças de Santa Anna, em frente a este Campamento.

No combate do dia 22 forão vistos e reconhecidos todos os Comandantes de Corpos, e ainda o mesmo Otorguez: a sua Infantaria he boa bem armada, e opera em boa ordem: a sua Cavallaria não paresse digna de attenção.

Estes revolucionarios não poderão ser destruidos sem forças combinadas, que atacando ao mesmo tempo por duas ou trez partes os obriguem a perder a vantagem do lugar escolhido com antecipação.

A Partida de Queirós [Alexandre Luís de Queiroz, Guerrilhas do Rio Grande] que foi […] do falecido Tenente Coronel Manoel dos Santos [Manoel dos Santos Pedroso, ou Maneco, falecido no início do ano], alem de muito pouco numeroza dá poucas esperanças: os mais Partidarios que se offerecerão, quando cheguei a Rio Pardo, não tem realizado as suas promessas, nem deles tenho noticia.
Da Provincias de Missoens não tenho tido participação alguma.

Continuo a esperar pelo Regimento de Santa Catharina, e pela Tropa que acompanha o Tenente Coronel Ignacio Joze Vicente [Inácio José Vicente da Fonseca, Artilharia da Legião de Voluntários Reais de S. Paulo].

No instante em que estive a fexar este Officio recebo a parte do Tenente Coronel Joze de Abreu que sóbe a Prezença de V. Ex.ª e julgo poder afirmar a V. Ex.ª que está livre a Provincia de Missoens; e que o Tenente Coronel Abreu continua a fazer valer o seu merecimento. [Refere-se aqui ao combate de Yapeyú, onde Abreu frustrou a passagem do Uruguai a Pantaleon Sotelo, que queria unir-se a Andresito]

A Excellentissima Pessoas de Vossa Excellência guarde Deus muitos annos.
Campamento em Ibirapuitan vinte trez de Setembro de mil oitocentos e dezesseis

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marquez de Alegrete = Joaquim Xavier Curado

Fonte: Arquivo Público do Rio Grande do Sul: Correspondências de José de Abreu, 1810-1825.

* * *

José de Abreu

Biografias
- CapGen Luís Teles da Silva Caminha e Meneses, Marquês de Alegrete (capitão general do Rio Grande) [LER]
- Ten Gen Joaquim Xavier Curado (comandante da Fronteira do Quaraí) [LER]
Brig Grad Francisco das Chagas Santos, governo militar das missões orientais, em São Borja [LER]
- Brig Grad Tomás da Costa Rebelo Correia e Silva (comandante do Regimento de Dragões do Rio Grande) [LER]
- TenCor José de Abreu (Esquadrões de Cavalaria de Milícias de Entre Rios) [LER]
Sarg Mor Sebastião Barreto Pereira Pinto ("Regimento de Dragões do Rio Pardo") [LER]

Comandante Andrés Guaçurari y Artigas  (Blandengues da Fronteira de Montevidéu) [LER]

Batalhas

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Ofensiva Portuguesa do Outono de 1818 nas costas do rio Uruguai


Nos finais de Março de 1818, de forma a capturar Artigas ou a expulsá-lo para o lado ocidental do rio Uruguai, o tenente general Joaquim Xavier Curado fez marchar o seu exército sobre a área de Daimán e Paysandú, no noroeste do atual Uruguai. O tamanho aproximado do exército seria entre os 2,500 e 3,000 homens.

A 3 de Abril, a força portuguesa captura Juan Antonio Lavalleja, um dos mais afamados militares orientais, e, a 9, entra em Paysandu, onde a bandeira portuguesa é arvorada, embora a abandonem depois. A 7, um destacamento de 1,030 efetivos derrota 500 orientais no combate de Guaviyu.

A transcrição que apresento, é uma adaptação mínima do que existe publicado no Archivo Artigas, sem modernização e apenas anotações temporais ou outras.
O documento não tem autor, sendo provável que seja um relatório escrito por alguém do estado maior deste exército, ou alguem que com ele estava.

Só nos leva a 13 de Abril, embora não dure muito até que o exército volte a uma postura mais defensiva, próxima da fronteira a norte.

NOTICIA DA COLUNA DA DIREITA

[23.3.1818] 
Desde 23 do passado temos marchado offensivam.te excepto no dia 31 e 1 ° deste, que falhamos em Ararimgua: depois de Arapei Chico principiamos a avistar os Espias do Inimigo, e algumas Guardas de 20, 30, e 40 Homens, q.e logo se retirarão apenas avistarão a nossa Guarda avançada, em Arapei grande foi perseguida hu~a destas Guardas até Sopas, aonde perderão hum morro, pelas Guerrilhas do Ten.te Cor.l Jeronimo [Gomes] Jardim, os mais fugirão precipitadamente, e assim não podemos ter noticias. 

[31.3.1818]
A 31 Bento Manoel agarrou hum Bombeiro do Inimigo, q.e deo-nos algumas noticias, e informamo-nos q.e Lavalhegas Ten.te Cor.l [Juan Antonio Lavalleja], e substituto de Mondragou [Mondragon], se achava de observação no Arroio Valentim com 200 e tantos Homens; 

[3.4.1818] 
E 3 os nosos Bombeiros agarrarão ao romper do dia no Arroio Valentim dois Chasques com Officios p.a Lavalhegas, Ordenava-lhe Artigas q.e se retirasse, avisando-lhe, q.e ja tinha mandado Ordem a Artiguinhas p.a passar na Barra de Arapey, e incommodar-nos pela retaguarda: O Officio de Artigas era de data do 1 ° deste mez. 
No mesmo dia chegamos ao Arroio Valentim, e sahindo os nossos Bombeiros a explorar a Campanha, encontrarão de repente na quebrada de huma Cuxilha com 6 Ginetes, q.e sendo corridos pelos nossos felizmente agarrarão Lavalhega por ter-lhe rodado Cavallo na carreira, pegarão tambem a Ordenança deste, os outros escaparão, e erão hum Ajudante e tres Bombeiros; Huma Guerrilha do Jardim foi quem fez (esta) boa preza, Lavalhega tinha sahido a bombear-nos p.a ver se conhecia a nossa força e confessou q.e andava nesta diligencia desde q.° chegamos ao Araringua, e nunca pode conseguir até cahir em nosso poder.
Este Prizioneiro deu-nos varias noticias, q.e Artigas estava persuadido, q.° esta Coluna não entrava, e q.e suposto fomos observados desde Arapey-Chico, com todo só quando chegamos a Araringua he q.e puderão descobrir toda a Coluna q.e tinha poca gente en Purificação, e se tivesse tempo de reunir todas as suas Guardas, poderia reunir 1.500 homens, mas q.e já tinha dado as providencias para com marchas forçadas retirarse p.a a Purificação 1.500 Homens do Commando de Ramires, q.e a 25 do passado tinha conseguido huma completa Victoria contra as tropas de Buenos Ayres no Parana: 

[4.4.1818]
No dia 4 em marcha avistou-se a Partida de Lavalhega, sahio Bento Manoel a perseguilo, tiverão tempo de fugirem mas sempre se agarrarão 14, e tomarão-se-lhe oitenta e tantos Cavallos: 

[6.4.1818]
No dia 6 passamos a Daiman, e hum Corpo de 400 homens, e hu~a Peça de 2 do Commando de hum F. Castro [possivelmente Pablo Castro, que vem a ser derrotado em Guaveyu, no dia a seguir] había-se retirado deste lugar no dia 4.
Este Corpo conservou-se em Laurelles d'onde se retirou no dia 3. no dia 6 acampamos era hum galho de Daiman, e sobre a tarde Bento Manoel agarrou 11 Espias do Inimigo, os quaes informarão-nos q.° Artigas tinha deixado a Purificação, deixando do outro lado duas Peças de 18 para hostilizar a Villa, e q.e se achava era Guaveju com 1000 homens, q.e pertendia reunir-se com a Tropa d'outro lado a qual havia passado em Sandu, as Familias tinhão passado p.a o outro lado, e q.e a intenção de Artigas era, depois de reunido tão bem com Fructuozo, atacar-nos na Purificação. 

[6.4.1818, noite] 
O Marechal João de Deos ha dias andava anciado por adiantar-se com 1000 Homens, mas infelizmente não podia conseguir do Ten.te Gen.l, com as ultimas noticias sempre pode vencelo, e pez-se em marcha na noite do dia 6 com 1000 homens de todos os Corpos, incluido 200 de Infantaria de S.Paulo, e todo o seu Regimento de Milicia do Rio Pardo p.a dar hum golpe na Tropa Inimiga, que ja contava estar reunida, 

[7.4.1818] 
E ao romper do dia 7 atacou em Guavejú a 400 e tantos homens pertencentes a Divisão de Lavalhega, o Inimigo ficou completamente derrotado, perto de 300 Prizioneiros cento e tanto mortos, avalia-se terem escapado 30 ou 40, tomou-se huma Peça de 2 unica q.e tinhão, huma Bandeira, muito Armamento, Cavallos &. só perdimos hum Soldado Miliciano de Porto Alegre morto, e tivemos 2 feridos levemente. 

Artigas esteve distante Legoa a meia com a mais força commandada por Latorre, o Marechal João de Deos não sabendo a gente (que) encontraria, e occupado com os Prizioneiros, deixou de avançar para bater Artigas: eu estou persuadido que conseguiria seguramente outra Victoria: e q.e entramos na Purificação, q.e achamos dezerta;  Arvorou-se a Bandeira Portugueza; salvou-se com 21 Tiros, e derão-se os competentes Vivas; do outro lado conserva-se alguma gente Inimiga, e tem huma Canhoneira. 
O Ten.te Gen.l não quiz occupar a Villa, e acampamos hua legoa era frente no Arroio Japegui. 

[11.4.1818] 
Na noite do dia onze avançou o Oliveira com 1000 Homens e 2 Peças de 3 p.a bater Artigas, q.e se acha 16 legoas distante em Japuramopi, mas ja officiou hontem [12.4.1818], q.e seguia p.a Sandu, rumo q.e se (afasta) do Inimigo, elle saberá a razão porque assim obrou. A intenção de Artigas, he reunir todas as suas forças, q.e podem chegar a 4000 homens, o ponto de reunião he no Rincão das Galinhas, e depois fazer-nos a Guerra, e embaraçar a nossa subsistencia. 

Não ha Gado senão na distancia de 16 a 18 legoas, veremos como hade ser a nossa conservação sendo só esta Coluna a que se hade opor a todas as forças do Inimigo.

Em Araringua [31.3-1.4] receberão-se Officios de Lecor, no qual partecipa q.e a Coluna de Pinto estava a pé, e reunida com a de Vellez em Minas, q.° fazia retirar-se p.a Monte Video, e q.e achava impossivel marcharem a pé as Tropas tão grande distancia de cento e tanto leguas, e que mandaria Canhoneiras com Tropas, e aqui tem a maneira porque rezolve o General Lecor.

Campo do Arroio Itapegui, 13 de Abril de 1818.

Fontes
- Archivo Artigas
- Imagem da Wikicommons: interior da Catedral de PAysandú, no Uruguai.

Combate de Guaviyu (ou Guabiju), 7 de Abril de 1818



O Combate de Guaviyu teve lugar a 7 de Abril de 1818, junto ao arroio de Guavyiu, a cerca de 50 quilómetros a norte de Paysandú. 
Teve lugar no âmbito de uma ofensiva levada a cabo pelo tenente general Joaquim Xavier Curado e as suas forças da capitania do Rio Grande, desde finais de Março, sobre a costa oriental do Uruguai, que penetrou até Paysandú, onde entrou e arvorou a bandeira portuguesa no dia 9.

A 6 de Abril, o marechal de campo João de Deus Mena Barreto, coronel do Regimento de Milícias do Rio Pardo, é destacado do exército com 1,030 homens, quase exclusivamente de cavalaria, e 180 infantes da Legião de S. Paulo, correspondendo a um quinto da força (e sem artilharia, uma situação pouco comum), com ordens de atacar uma força que se presumia fosse comandada em pessoa por José Artigas. Artigas esteve de facto em Guaviyu, a 4 de Abril, pelo menos, mas já não estava lá a 7.

A divisão portuguesa perde-se durante a noite tempestuosa de 6 para 7, mas ao recuperar a orientação depara-se com a proximidade da força oriental. Na verdade era uma vanguarda de Artigas, comandada pelo capitán Pablo Castro, constituída por entre 400 e 500 homens, incluindo uma peça de calibre 2.
Não há uma informação clara de quanto tempo demorou a ação, mas o comandante português informa que terá sido rápido, o que não é difícil de aceitar tendo em vista a desproporção de forças a favor dos lusitanos.

Nesta fase do conflito, as forças orientais de José Artigas já não tinham a mesma facilidade em recrutar, até porque estavam em guerra também com os centralistas de Buenos Aires. A Banda Oriental continuava a ser pacificada durante o ano, com as forças portuguesas a assumir uma postura de contra-insurgência, com a captura de muitos líderes militares orientais. Juan Antonio Lavalleja, por exemplo, é capturado a 3 de Abril, na área.

ORDEM DE BATALHA

~ Forças da Capitania do Rio Grande de S. Pedro
Comandante - MarCamp João de Deus Mena Barreto

Regimento de Milícias do Rio Pardo, Cavalaria (regimento todo) 
(tenente coronel graduado Francisco Barreto Pereira Pinto)
150 efetivos, Lanceiros de Entre Rios (Regimento de Voluntários Reais de Entre Rios, tornado regimento a DATA)
1 esquadrão, Regimento de Dragões do Rio Grande
(tenente José Luís Mena Barreto)
1 esquadrão, Regimento de Milícias de Porto Alegre
(capitão graduado Manuel Inácio Salazar)
180 efetivos, Infantaria da Legião de Voluntários Reais (S. Paulo)
(sargento mor graduado Joaquim da Silveira Leite)
Total de 1,030 efetivos

Baixas Portuguesas
1 soldado morto (RMRP), e 2 feridos ligeiros

~ Forças da Liga dos Povos Livres (Orientais)
Comandante - Cap Cav Pablo Castro

400-500 efetivos
1 peça de calibre 2

Não há referências, nas fontes portuguesas, à estrutura das forças orientais, mas será de supor que fosse a regular predominância de cavalaria, com pouca infantaria.

Efetivos:
“sendo as suas forças seis centos homens” (Mena Barreto) ; “400 e tantos homens pertencentes a Divisão de Lavalhega” ('Noticia')
Joaquim Xavier Curado refere 500 homens em carta a Lecor.

Mena Barreto parece exagerar ligeiramente, quando fala de 600, mas parece-me certo que fossem entre 400 a 500, entre tropas e eventuais acompanhantes.

Baixas Orientais
266 prisioneiros, incluindo 12 oficiais
133 mortos (contados no campo de batalha)



Memória do marechal de campo João de Deus Mena Barreto, o comandante português da ação


[Puntas del Guaviyú, abril 7 - 8 de 1818.]

Ill.m° eEx.m° S.°r 


[6.4.1818, Noite] Eu marchei em consequencia das determinações de V Ex.a na noite do dia 6 a atacar Artigas, todas suas forças no arroio Guavejú. O meu destacamento compunha-se de todo o meo Regimento de Melicias do Rio Párdo; cento e cencuenta Lanceiros d Entre Rios; hum Esquadrão de Draçoens; outro de Melicias de Porto Alegre, e cento e oitenta de Infantaria da Legião de S Paulo, que fazia o todo; mil e trinta homens bem capazes de rectificar a gloria de que se tem coberto; a coluna do comando de V Ex.a o meo primeiro passo foi montar a Infanteria para acelerar a minha marcha: eu tinha de caminhar sete a oito legoas que as devia conseguir antes do dia sete; e o projecto hera surprender o inimigo no seo proprio acampamento. 

Com estas entençoens eu marchava com todo o silencio, mas a noite se fez tormentoza com groças pancadas d'agoa acauzionou a perdida do prático que me guiava, e por tal successo mandei fazer alto, tendo já marchado seis legoas sobre o arroio Guavejú, ou suas pontas, nesta posição eu esperava o dia para o acerto do guia, e então descobertamente atacar o inimigo, que não devia estar muito destante, [7.4.1818] o dia principiáva a zair, e logo accidentalmente me surprenderão os meos espias com a noticia dos insurgentes tão proximos que pude ouvir o seo toque d alvorada, sem que me tivessem percebido. 

Com este successo dispús a minha Devisão para o combate; examinei o campo do inimigo, e igualmente no mesmo arroio Guavejú coberto pela sua retaguarda com hum bosque, e grande lago que os tornáva bem fortes para huma Obstinada resestencia, e sem dilonga fiz avançar hum Esquadrão de Melicias do Rio Pardo ás disposiçoens do Capitão Antonio de Medeiros da Costa, asegurarme de huma posicão vantajoza que pude Observar e por onde o inimigo se podia retirár quando eu força se toda a extenção da sua frente:

depoes desta providencia determinei que o Esquadrão de Dragoens seguise a ocupar a frente do inimigo, e chamando o a atenção me desse lugar a introduccão da Infanteria no mato, e por onde atacassem vigorozamente: 

Estas tropas marcharão, então adiantei mais hum Esquadrão de Melicias tomando a esquerda de Dragoens, em cuja ponto eu deveria de rouvolver o resto da Cavalaria tendo ja dente mão prevenido a minha reserva, e feito destacar o corpo de Lanceiros para humas alturas bem capaz de perseguir os desbandados: 

Nesta Ordem caminhei para o inimigo, e bem perto da nova linha que havia determinado, mandei fazer alto, e conservei-me em Coluna em quanta determinava as ultimas Ordens para o combate: 

O inimigo disparou seos tiros de pessa sobre o Esquadrão de Dragoens, toda a sua linha estava formada sobre o bosque que cobria a retaguarda. Nestas circunstancias julguei conveniente não retardar a victoria as armas de S Mag.e e logo então determinei que aos primeiros tiros da nossa Infanteria que tinha entrado no mato pelo flanco direito se carregase o Inimigo tão universal, como intrepidamente. 

A Infanteria conseguio o que me tinha disposto, e detalhado: romper o fogo que os insurgentes não esperavão, e ao seo estrondo desembrulhei toda a Cavalaria, ataquei, e en  hum momento tive a gloria de aununciar os vivas a S. Mag.e que forão repetidos ainda com os tenidos das Espadas da nossa Cavalaria, e o fogo vivissimo da Infantaria que aquecendo os inimigos pela retaguarda entregarão-se aos exforçados golpes dos Esquadroens. 

O Nome de S. Mag.e retumbava, e por todas as Tropas inda no calor da acção, e a proporção que se repetia com aquele entusiasmo que sempre se observou nos Vassalos do mais querido dos Soberanos do mundo, as nossas forças se multiplicavão, e o inimigo sobre aterra despedaçados formavão o espetaculo mais vivo da nossa fedelidade, e coragem, e o crime de tão indignos contendores, que sendo as suas forças seis centos homens só se escaparão tres de Cavalaria. A destruhição total desta vanguarda d Artigas, ao comando de D Paulo Castro Capitão de Cavalaria deveria certamente, tanto pelo estrondo dos tiros, como pelos vigiadores por-se em fuga aquele Chefe dos insurgentes. 

O n.° dos mortos que forão contados no campo do combate chegarão a cento, e trenta e tres, alem de muitos que se virão cahir carregados pelos Lanceiros, e os enfenitos que se lançávão no grande lágo conde se affogarão, e aonde lançavão armas, espadas, e seis mil cartuxos com confessão os prizioneiros que sao duzentos e sessenta, e seis, inclusive doze Officiaes e de toda a clase; huma Pessa de Calibre dois; duzentas e trinta e cinco armas; cento e quatorse espadas, cincoenta e duas pistolas, oito caixas de Guerra; hum Clarim; huma Corneta; huma bandeira com emblema de liberdade, seis centos cavalos; e muitas cartoxeiras. 

Sou obrigado a fazer justiça geralmente ao valor, bizarria e constancia dos Offeciaes, e Offeciaes inferiores, e Soldados que formão esta Devizão, devo com tudo recomendar a V Ex.a com especialidade para que apareção na Augusta prezença de S Mag.e O Tenente Coronel Francisco Barreto Pereira Pinto; o Capitão Bento Manoel Ribeiro; o Tenente Oliverio Joze Ortiz; todos estes do meo Regimento: de Dragoens o bravo Tenente Joze Luis Mena Barreto, e o Alferes Joze Joaquim da Cruz; estes Officeaes merecerão elogios de toda a Tropa e tudo meo dever não omitir nesta ocazião a bravura com que atacarão, eaboa ordem com que marcharão os seos Soldados, e por se fazerem muito dignos tenho a satisfação de derigir a V Ex.a a rellação dos Offeciaes e Offeciaes inferiores que mais se destinguiarão, com esta são tres vezes que tenho recomendado nos minhas partes d'ataques, e combates o Capitão Bento Manoel Ribeiro, e o Reverendo Capellão Feliciano Joze Rodrigues Prates, e prezente insto a V Ex.a que bem conhece os seos merecimentos para os levar com destinção a prezença de S Mag.e.

Tenho a Gloria de partecipar a V Ex.a que hum só soldado de Melicias de Porto Alegre perdi [por] hum tiro de mosquete, e que dois do meo Regemento, e hum d' Infanteria forão levemente feridos. 

O felis rezultado desta acção com tão piquena perda da nossa parte, he devido a V Ex.a que tão sabia como prudente me tem guiado com instruçoens tão melitares para o dezempenho dos meos mais sagrados deveres, e huma prova incontestavel que o grande Deos Senhor dos Exercitos cobre com a sua mão direita as armas dos Fieis Portuguezes para gloria do mais justo dos Soberanos. 

Deos guarde a V Ex.a
Pontas de Guavejú sete d'Abril de 1818
Ill.m° e Ex.m" S.°,Tenente General Comandante Joaquim Xavier Curado = João de Deos Menna Barreto

Rellacão dos Offeciaes, e Offeciaes Inferiores que cheios de Valor, e constancia se distinguirão na acção do dia sete do Corrente que tive a honra de os comandar e que os recomendo a protecção de V Ex.a

Regimento de Dragoens, o Tenente Joze Luis Menna Barreto. Alferes Joze Joaquim da Crus. Furriel Vasco Joze Ignacio .

Infantaria de S Paulo, Sargento mor graduado Joaquim da Silveira Leite. Capitão Joze Joaquim de S Anna. Alferes Manoel Soares.

Melicias do Rio Pardo, Tenente Coronel graduado Francisco Barreto Pereira Pinto. - Sargento mór graduado Francisco Alves da Cunha. Capitães Bento Manoel Ribeiro, Antonio de Medeiros da Costa. Tenente Oliverio Joze Ortiz. Ditos agregados - Paulo Ribeiro de Souto maior. Joze Cardozo de Souza. Alferes Antonio Pinto d Azambuja. Furriel Bento Joze Bragança. Porte Estandarte. Joze Xavier d Azambuja R.°° Capelão Felicianno Joze Roiz Prates este Padre fez as Campanhas de 1811, e de 1812, a de 1817, e continúa na de 1818, tem asestido a batalha de Catalan, combate de Ibiroucay, e de guaveju, com valor, he o primeiro que aparece nos fileiras entre o fogo, animando a tropa o mais que he possivel.

Regimento de Porto Alegre - Capitão graduado Manoel Ignacio Salazar. Tenente Demetrio Ribeiro de Sa. Alferes Jeronimo Joze de Vargas. Furriel Henrique Joze da Silveira. 

Acampamento em Guaveju oito d'Abril de 1818
O Marechal João de Deos Menna Barreto

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Liga dos Povos Livres: Andrés Guaçurari y Artigas


O comandante ANDRES GUAÇURARÍ Y ARTIGAS, Guarani, nasceu em S. Tomé, a 30 de Novembro de 1778, embora alguns historiadores indicam S. Borja, do outro lado do rio. 

Ingressou nas fileiras revolucionárias de Manuel Belgrano que, em 1811, marcharam contra os realistas no Paraguay. Com Belgrano, marchou depois para a Banda Oriental, onde acaba por aderir à causa de José Artigas, sendo inclusive adotado por ele. Era um forte advogado de que todas as Missões eram o mesmo povo e deveriam ser unidas, como antes de 1801.

Em 1812 é já capitão dos Blandengues, encarregado do comando militar de Missiones. Em 1815, é governador da província de Corrientes. 

Em 1816 comanda a invasão inicial das Missões Orientais, montando cerco a S. Borja, de 21 de Setembro até inícios de Outubro. É derrotado na batalha de S. Borja, a 3 de Outubro. Mantém-se ativo em Missiones e Corrientes, defendendo contra uma invasão de Francisco das Chagas dos Santos entre Janeiro e Março de 1817. 

Em 1818, fez operações em Corrientes, não participando nas ações a oriente do Uruguai. Em 1819, retorna a Missiones e confronta-se de novo com Chagas dos Santos, onde após uma sucesso parcial, é capturado a 24 de Junho de 1819, no Paso de San Isidro e enviado para o Rio de Janeiro onde ficou na prisão da Ilha das Cobras.

Leia também

Batalha de São Borja (3 de Outubro de 1816) [LER]

Liga dos Povos Livres: José Antonio Berdún


O coronel JOSE ANTONIO BERDÚN nasceu em 1778, em Montevideu. 
De acordo com testemunhos de camaradas seus, iniciou o seu serviço militar em 1801 como soldado do Regimiento de Milicias Orientales, sob o comando do capitán Manuel Calleros, e participou nas operações contra os portugueses em 1801, na fronteira do Cerro Largo e do Jaguarão, próximo do Atlântico.

Após a revolução de Maio de 1811, Berdún aderiu à causa revolucionária, prestando serviço na 2.ª Divisão Oriental, comandada pelo coronel Manuel Francisco Artigas. Participa na batalha de Las Piedras, a 18 de Maio de 1811.

Desde 1814, comanda um regimento de Cavalaria da Divisão de Blas Basualdo. Em 1815, comanda uma divisão sua na zona de Arroyo de la China. Tinha então 37 anos de idade e 14 de serviço e era então coronel, não se sabendo mais sobre a sua progressão até aí.

No comando de uma força oriental de 800 homens, destinada a pressionar o flanco português assim como apoiar os esforços da divisão de Andresito nas missões, Berdún é derrotado por João de Deus Menna Barreto, na batalha de Ibirocaí, a 19 de Outubro de 1816. 
Reagrupando algum do seu comando, junta-se às força de Andrés Felipe Latorre, que estão na fronteira de Santana. Comanda a infantaria e artilharia de Latorre na batalha de Catalán, onde é ferido.

A 15 de Setembro de 1817, é capturado por Bento Manuel Ribeiro em Belén e remetido a Porto Alegre e depois o Rio de Janeiro.

Fontes
- SALDAÑA, Jose M. Fernandez, Diccionario Uruguayo de Biografias 1810-1940, Ed. Amerindia, Montevideu, 1945.

Leia também
- Batalha de Ibirocaí (19 de Outubro de 1816):