Memórias do tenente do 1.º Batalhão de Caçadores João da Cunha Lobo Barreto da batalha de India Muerta.
NOTA: uma légua antiga portuguesa são cerca de 6,6 quilómetros.
Constando ao Marechal Sebastião Pinto [de Araújo Correia] que Frutoso Rivera se achava no passo de Alferes, com uma força para obstar a sua marcha, requisitou do Brigadeiro Quevedo Pizarro mais duas companhias de caçadores, e na jornada de 18 foi emboscar em uns palmares a pouca distância do acampamento da 2.ª Brigada; logo que anoiteceu marchou sobre o passo de India Muerta.
[19 de Novembro de 1816]
Às 7 horas da manhã do dia seguinte se avistaram os primeiros bombeiros do inimigo e às 11, atravessando o passo, colocou a Tropa do outro lado em que se viam vestígios de uma guarda que poucos momentos antes tinha-se dali retirado. Imediatamente mandou o Marechal carnear e descansar a coluna em um pequeno pessegal junto a um rancho de palha, a meia légua do mesmo passo.
Não tardou a aparecer um piquete deste mesmo lado a entreter com suas escaramuças a nossa Cavalaria, que parte estava montada; e seriam duas horas da tarde quando se viu sobre as alturas que dominam o passo, que fora atravessado, a coluna inimiga, cuja força se calculou em 2000 e tantos combatentes, quase toda a cavalaria, exceto 200 negros de infantaria, e um canhão de pequeno calibre.
O Marechal Sebastião Pinto mandou formar em quadrado o Batalhão provisório, deixando aos cuidados do Major [Andrew] McGregor cobrindo a retirada e marchou com duas companhias de caçadores do 2.º Batalhão a procurar o dito passo, indo a Cavalaria da Divisão na testa da coluna e na retaguarda desta os esquadrões do Major [Manoel] Marques de Sousa.
Nesta ordem a Tropa atravessou o passo sem a menor resistência, sucedendo apenas ampantanar-se a carreta do nosso obus, única boca de fogo levada para a frente, que foi precio ser arrancada a braços por uma seção de infantaria. Posto que algumas balas da guerrilha, que fazia o requerido piquete sobre os nossos chegassem ao quadrado, não tivemos a mais leve perda durante esse trajeto.
O inimigo, frio espectador da nossa manobra e atribulação, desenvolveu a sua forte coluna em linha de batalha, formando uma meia lua a um quarto de légua do passo, tendo no centro o seu canhão e a pouca infantaria.
O Marechal Sebastião Pinto tomou posição em sua frente, colocando na direita os dois esquadrões da Divisão, no centro as quatro companhias em linha e o obus; na esquerda, os esquadrões do Major [Manoel] Marques de Sousa; as quatro companhias de caçadores em ordem estendida, cobriam toda a frente desde o passo até à direita da linha.
Assim dispostas as Tropas, mandou tocar a deitar os caçadores, e ao 1.º esquadrão da Divisão carregar de espada na mão. Sendo este acutilado com grandes perdas, ordenou ao 2.º que o socorresse, enquanto o obus fazia tiros sobre a infantaria inimiga. Então sentiu-se alguma desordem na esquerda inimiga e um corneta do 2.º de Caçadores, tocando a avançar, deu motivo a um forte tiroteio destes, que comandados e sem encontrar resistência quase alguma, principiaram seu ataque com uma intrepidez e felicidade inconcebível.
O inimigo, debandando em grande confusão, deixou em nosso poder o seu canhão, que apenas dera três tiros, sem proveito algum, e cento e tantos prisioneiros; quase todos de infantaria. A nossa perda foi de 80 e tantos homens, a maior parte de Cavalaria, incluindo neste número o Major Duarte [Joaquim Correia de Mesquita], de Cavalaria, e o Alferes [Carlos Frederico] Krusse, de infantaria, sobrinho do General Lecor, mortos; e o Tenente [Coronel] [João Vieira] Tovar [de Albuquerque], o Capitão Miguel Pereira [de Araújo] e o Major [Manoel] Marques de Sousa, este contuso e aqueles gravemente feridos.
Depois da debandada do inimigo, o Marechal mandou tocar a reunir as Tropas junto ao arroio. Seriam 4 horas da tarde, um Destacamento de Infantaria voltou à retaguarda a recolher os feridos e enterrar os mortos na ação, encaminhando-se depois, toda a Coluna, para uma casa a pouca distância do passo, onde pernoitou.
Ali se curaram os feridos, o melhor que se pôde, visto que nem botica suficiente havia; e mesmo de noite se expediu o Capitão [Carlos] Infante de Lacerda à Coluna do Brigadeiro Pizarro a requisitar uma botica ambulante.
[20 de Novembro de 1816]
Na jornada seguinte os poucos soldados de cavalaria da Divisão formaram a testa da Coluna e, à retaguarda, os esquadrões do Major [Manoel] Marques de Sousa. Não havendo um só transporte, a Infantaria foi empregue na condução de feridos, da maneira seguinte: quatro soldados, entregando suas armas aos outros camaradas, levavam aos ombros em maca de couro um daqueles; e como estes eram bastantes e se recomendava todo o cuidado na sua condução, foi esta marcha mui lenta, desordenada , e perlongada; pois se gastou todo o dia, sem comer e sem descanso até às 9 horas da noite, em que a Força se reuniu à do Brigadeiro Pizarro, que se achava 12 a 13 léguas do lugar do combate.
Se o inimigo, sabendo desta desordem, reunisse uma força de 400 ou 500 homens, dorrotaria neste dia a Coluna; a Cavalaria vinha fatigada e a Infantaria em um desfalecimento inexplicável, ocupando além disso mais um quarto de légua de cauda; e tanto é certo o que dizemos, que voltando o Ajudante-de-Ordens com a botica, escoltado de 30 cavaleiros, ao avistar-se esta pequena força, posto que tivéssemos marchado só 4 léguas, já houve bastante confusão para se fazer o seu reconhecimento, apesar de se supor que na realidade era o dito oficial que voltava.
[...]
Biografias
Tenente João da Cunha Lobo Barreto
Marechal de Campo Sebastião Pinto de Araújo Correia
Brigadeiro Francisco Homem de Magalhães Quevedo Pizarro
Fontes
- BARRETO, João da Cunha Lobo, “Apontamentos historicos a respeito dos movimentos e ataques das forças do comando do general Carlos Frederico Lecor, quando se ocupou a Banda oriental do Rio da Prata desde 1816 até 1823 (…)”, in: Revista do IHGB, vol. 196, Julho-Setembro 1947, pp. 8-10
Veja todo álbum com imagens do artigo aqui.
- DUARTE, Paulo de Queiroz, Lecor e a Cisplatina 1816-1828 ( 1.º volume), Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1984 – p. 234-236
Imagem de soldado de DVR, Ivan Wasth Rodrigues.
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