"Até que acabe a Munição..."
O tenente general Joaquim Xavier Curado, comandante da fronteira do rio Quaraí, com quartel general junto ao rio Ibiripuitá Chico, a norte da atual cidade de Santana do Livramento, destaca, a 20 de setembro de 1816, dois esquadrões dos Regimentos de Dragões do Rio Pardo (150) e de Milicianos (180), sob o comando do capitão Alexandre Luís de Queiroz, para observar e bater uma partida da orientais que “hostilizava o paiz em proximidade da guarda de Sant’Anna.” (Lara)
O resultado deste reconhecimento foi um embate com a vanguarda do exército oriental de Artigas e a descoberta do seu acampamento na área.
Os oficiais portugueses decidiram combater enquanto tal fosse possível e retiraram depois para norte a informar o general Curado do que descobriram.
Em seguida a transcrição dos relatórios do capitão Alexandre Luís de Queiroz, que comandou a força geral, e do tenente Gaspar Francisco de Mena Barreto, que comandou a força do Regimento de Dragões, após a morte do seu capitão.
* * *
Parte dada da Ação de Santana, de 22 de setembro de 1816, pelo capitão Alexandre Luís de Queiroz, das Guerrilhas de voluntários do Rio Grande:
Arroio de Ibirapuitá, 22 de setembro de 1816.
Santana do Livramento |
Illmo. e Ex.mo Snr - Devo participar a V.Ex. que era cumprimento das Ordens que por V. Exª me foram intimadas passei a explorar as imediações do Ibirapuitá, e mandando espias à Cochilha que se avizinha ao Morro de Santa Ana d'ali voltaram a participar-me que se avistava não só diferentes espias dos Insurgentes, senão que haveria acampamento imediato.
Com esta noticia que a comuniquei ao Capitão Sebastião António de Bulhões Liote assim como ao Tenente Anacleto Francisco Gularte, aquele Comandante do Esquadrão de Dragões, e este do de Milícias; entre todos combinamos o meio de atacar os Inimigos na esperança de os derrotar totalmente, ao que nos animava o geral desejo que para isto manifestava até o último Soldado.
No dia 22 do corrente nos pusemos em marcha para aquele lugar fazendo então a frente avançada o Tenente Anacleto com os milicianos que comandava. Eu com minha Partida seguia a sua retaguarda, e o esquadrão de Dragões em alguma distância passa a reserva.
O Tenente Anacleto pode avistar alguns Bombeiros do Inimigo, os quais pondo-se logo em fuga parece chamava ao encontro das suas forças; e com efeito perseguindo o mesmo Tenente aqueles Espias das quais pode apanhar dois se apresentaram na Cochila que não distava o número de 200 homens, que sendo por mim vistos me adiantei com a minha Partida; e do dito Tenente, e sem mais consulta dirigimos a marcha ao Inimigo que dando a primeira descarga se puseram em vergonhosa retirada que sendo por mim picada foram mortos na distância de meia légua trinta e tantos homens, sem o menor prejuízo da nossa parte;
Quando porém do mesmo acampamento dos Inimigos digo dos insurgentes que se achavam na distância de uma quadra, saiu o reforço de Infantaria e Cavalaria que empenhando as suas forças para nos flanquearem a direita e esquerda nunca lhes foi possível conseguirem apesar do vivo fogo que pela frente nos fazia a bem ordenada Infantaria, a este tempo se reuniu o Esquadrão de Dragões comandado pelo Capitão Sebastião António de Bulhões Liote que tomando o flanco direito formou-se em Batalha apesar do mau terreno. Então o Inimigo empenhou as suas forças sobre este Esquadrão, e forcejando a ganhar-lhe o flanco direito sempre foi repelido pelo vivo fogo que os Dragões em linha constantemente fizeram.
Deste empenho que o Inimigo mostrou em cortar aquele corpo com todas as suas forças, resultou o maior número de mortos e feridos que o Tenente Gaspar Francisco Mena participara a V. Ex.ª se bem que o Inimigo experimentou grande perda. Este Oficial bem longe de lhe fazer terror o grande número dos inimigos, e a melhor situação para a vantagem, se entusiasmou furioso, cujo exemplo seguiu o Tenente José Rodrigues Barbosa, e o Alferes José Luiz Mena Barreto ordenado o ataque até que finalizemos as munições, neste tempo crescia o socorro do Inimigo, e nos achávamos com os cavalos em estado de não poderem avançar com a Espada na mão, portanto tomámos a deliberação fazer-mo-nos em retirada continuando a fazer-lhe fogo defendendo assim a Cavalhada sobre que o Inimigo se empenhava.
Pouca distância nos seguiram, e tenho a honra certificar a V.Ex.ª que no Campo do combate ficaram mortos da parte inimiga o numero de 100 homens pouco mais ou menos, e da nossa parte alguns ficaram feridos, e um morto da minha Partida.
O Inimigo está acampado, e é de esperar que ou mude de posição, ou reúna ali todas as forças; mas sejam elas quais forem não atemorizaram os Valerosos Dragões, e os fortes Milicianos.
Não posso menos que louvar o valor com que se portou em toda a acção o Sargento da Legião de São Paulo António Luiz Pizarro, e seria faltar a justiça ao merecimento deste combatente que tanto operou. Fico por toda a Margem do Ibirapuitá dando o preciso descanso e alimento aos Camaradas, e Cavalos, e aqui espero as Ordens de V. Ex.ª a quem Deus Guarde.
Campo 22 de Setembro de 1816 = III.mo e Ex.mo
Snr Tenente General Joaquim Xavier Curado = Alexandre Luiz de Queirós
* * *
[Arroyo de lbirapuitá, 22 de setembro de 1816.]
Tenho a satisfação de levar à presença de V. Ex.ª o sucesso de mais renhida acção travada entre o Esquadrão de Dragões do meu Comando por falecimento do Capitão Sebastião António de Bulhões Liote, e as mais partidas destinadas a bater a Campanha desde a Coxilha de Santa Anna até o lbirapuitá com os insurgentes deArtigas.
No dia 20 do corrente em que marchei para a Coxilha fez-se alto no Campo de Geronimo Coelho aonde sereuniu o Tenente José Rodriguez Barboza, o Tenente Bento Manoel, e o Alferes Francisco das Chagas Rocha, participando-me que no dia antecedente tinham batidos e postos em fugida uma Partida de 150 Insurgentes.
Mandaram-se exploradores a examinar todos os lugares por onde se supunha que o Inimigo se podia dirigir, e então por eles se soube que nos Galhos do Arroio lbirapuitá haviam indícios de gente Acampada.
Reunimos todas as Partidas que juntas faziam o número de 340 homens. Foi a Avançada do Corpo o Tenente Anacleto Francisco Gularte com 90 homens, e a pouca distância se lhe apresentaram 200 Insurgentes os quais foram batidos pela dita Avançada matando-lhes de 30 a 40 homens.
Imediatamente marchou com mais celeridade todo o resto da Tropa, e sobre a Coxilha de Santa Anna os apresentaram forças consideráveis de infantaria, cavalaria, e Charruas. Já então a nossa Cavalhada estava cansada, e a posição do Inimigo não admitia atacá-los de Espada na mão em consequência de hum despenhadeiro.
O Esquadrão de Dragões sofreu um vivo fogo de mosquetaria em distância de menos de duzentos passos e às vezes a tiro de Pistola. Tentaram com muita força, e por diferentes vezes voltear o meu flanco direito, e sempre foram rechaçados com muita perda. Era neste tempo a força do Inimigo 300 homens de Infantaria, 500 de Cavalaria entrando os Charruas.
Durou o Ataque desde as 9 horas da manhã até à uma hora da tarde quando chegou um grande reforço com duas Peças de Artilharia. Retirámo-nos ao pequeno trote; e o Inimigo apesar das suas grandes forças não nos perseguiu depois de acabar nos todas as munições sem que hum dos meus soldados, desse sinal de cobardia. De tudo quanto tenho exposto a V. Ex.ª, é fácil deduzir que a nossa gente havia padecer, e muito principalmente o Esquadrão que o Inimigo pretendeu voltear com empenho por causa da Cavalhada.
Remeto a V.Ex.ª a lista dos mortos e feridos pertencentes ao dito Esquadrão. Do Inimigo ficaram sobre o Campo 100 homens mais ou menos, e feridos supõem-se muitos porque, em cinco descargas a pequena distancia além do fogo alternado, se viu cair muita gente. A infantaria do Inimigo está muito bem armada, e Artigas tem forças consideráveis nas imediações de Santa Anna.
Todos os Oficiais, e Inferiores suportaram com distinção, muito particularmente o Cadete Belchior da Rosa e Brito, o Porta Estandarte Francisco Pinto da Fontoura, o Furriel Alexandre José Machado, o Furriel José Ferreira Jardim o Porta Estandarte Patrício José Correia da Câmara, o Cadete José Maria Correia Vasques, o Cadete José Machado da Silveira não foram cobardes, os Cabos João Rodrigues de Lima, José Roiz dos Santos, João Gomes da Costa, José Alves de Oliveira, José Pereira, Henrique Theofilo Ferreira de Andrade e José Ignacio de Souza Sardinha, João da Silva, e Demiciano José Alves Trilho fizeram extraordinários esforços, e o Cabo João Roiz de Lima, e o Cabo João da Silva depois de muitos feridos continuaram a pelejar até a retirada, e o Cabo Francisco de Paula de Azambuja ficando em pelo continuou a acção com o mesmo vigor. Todos quantos morreram deram assinaladas provas de valor, e não devo deixar de fazer justiça, a todos os Oficiais de Milícias, dizendo a V. Ex.° que cada um de por si fez prodígios, e muito sangue frio.
O Tenente do meu Esquadrão José Rodrigues Barboza, e o Alferes José Luiz Menna Barreto mereceram os elogios de toda a Tropa; a opinião publica que granjearam estes dois Oficiais V. Ex.ª ouvirá geralmente.
Deus Guarde a V.Ex.ª
Arroio do lbirapuitá 22 de Setembro de 1816=
Ill.mo Ex.mo Snr Joaquim Xavier Curado
= Gaspar Francisco Menna Barreto.
Relação dos Mortos e feridos do Regimento de Dragões neste ataque.
Mortos
O Capitão Sebastião António de Bulhões Liote
O Tenente Valentim Bueno de Camargo
O Porta Estandarte Izidoro Belmonte da Silveira
E 6 Soldados.
Feridos
O Porta Estandarte Patricio Jose Correa da Camara
Dito Francisco Pinto da Fontoura
3 Cabos, e 8 Soldados.
* * *
BAIXAS
Relação dos Mortos e feridos de Milícias neste Ataque
3 Soldados Mortos
Feridos
O Tenente Anacleto Francisco Gularte
Os Alferes Francisco das Chagas Rocha
Antonio Garcez de Moraes
1 Furriel, e 14 Soldados; entre estes 3 de perigo
SANTANA (22/9) | ||||
MORTOS | FERIDOS | |||
Ação | OFICIAIS | PRAÇAS | OFICIAIS | PRAÇAS |
Reg Dragões Rio Grande | 3 | 6 | 2 | 10 |
Reg Mil Rio Pardo | 0 | 5 | 3 | 13 |
TOTAL | 5 | 11 | 5 | 23 |
Oficiais Mortos
(todos de Dragões)
- Capitão Sebastião António de Bulhões Leote
- Tenente Valentim Bueno de Camargo
- Cadete Porta-estandarte Isidoro Belmonte da Silveira
***
Fontes
- Comisión Nacional Archivo Artigas, Archivo Artigas, Montevideo, Monteverde, 1992, t. 31, pp. 353-367.
- Diogo Arouche de Moraes Lara, “Memória da Campanha de 1816”, in: Revista trimensal de historia e Geographia, ou, Jornal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, n.º 27, Outubro de 1845
Imagem de topo in: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Santana_do_Livramento_from_the_border.jpg
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